Cientistas contam a história do bólide vindo do céu que abalou Cheliabinsk em Fevereiro
Uma análise pormenorizada do que aconteceu em Cheliabinsk leva os especialistas a especular que eventos como este — que põem em perigo as populações e as construções — poderão ser bastante mais frequentes do que se pensava.
Recorde-se que, por volta das 9h00 (5h00 em Lisboa) de 15 de Fevereiro, um rasto de fogo cruzou o céu e explodiu numa bola incandescente. Segundos depois, ouviu-se um forte estrondo e uma onda de choque percorreu o ar, partindo vidros, abanando automóveis. No fim do dia, contavam-se 1200 feridos. O estado de emergência foi declarado.
Muitas pessoas filmaram na altura o fenómeno com telemóveis ou câmaras instaladas nos tabliers dos carros. E foi em parte graças a estes vídeos que foi possível reconstituir a sequência de eventos assustadores que tiveram lugar naquela gélida manhã de Inverno.
O que se sabe hoje: uma rocha de 12 mil toneladas entrou na atmosfera terrestre a cerca de 70 mil quilómetros por hora; desfez-se a uns 30 quilómetros de altitude, dando origem a uma bola de fogo cerca de 30 vezes mais brilhante do que o Sol, numa explosão de potência equivalente à de 500 mil toneladas de TNT que deixou rastos de poeira incandescente no céu. Um fragmento gigante, com cerca de 650 quilos, atingiu o solo, abrindo um buraco de sete metros de diâmetro no gelo do vizinho lago Chebarkul (de onde foi pescado em Outubro). Foi, ao que tudo indica, o maior meteoro a atingir a Terra desde 1908, quando um corpo celeste se desintegrou sobre Tunguska, uma zona não povoada da Sibéria.
Olga Popova, da Academia russa das Ciências, e Peter Jenniskens, da NASA, que assinam o artigo na Science juntamente com 57 colegas de nove países, contam que, nas semanas que se seguiram, visitaram mais de 50 aldeias e descobriram que os estragos se estendiam até a 90 quilómetros do “epicentro”. Já em Cheliabinsk, foram registados casos de escaldões e problemas oculares (devidos à intensa radiação ultravioleta emitida pela explosão); e de concussão, confusão mental e sinais de stress causados pela onda de choque. A força da explosão foi aliás suficiente para deitar pessoas ao chão.
Esta equipa também analisou a composição dos meteoritos recuperados no solo e conclui que o bólide de Cheliabinsk era uma rocha celeste da classe mais frequente: a dos “condritos comuns”. Os seus cálculos sugerem ainda que esta rocha provém da cintura de asteróides do sistema solar, mas Jenniskens especula, em entrevista à Science, que fazia inicialmente parte de um asteróide maior, que se terá fragmentado há cerca de 1,2 milhões de anos, provavelmente num anterior “encontro do terceiro grau” com a Terra.
Peter Brown, da Universidade do Ontário Ocidental, no Canadá — que assina ambos os estudos na Nature —, e colegas canadianos e checos confirmam esta ideia com base em vídeos da trajectória do meteoro de Cheliabinsk, que indicam que a sua órbita é semelhante à de um asteróide próximo da Terra, podendo isso significar que, a dada altura, os dois faziam parte do mesmo asteróide.
Mas os resultados mais inquietantes vêm do outro estudo assinado por Brown, que com uma outra equipa internacional tira duas conclusões do evento de Cheliabinsk: por um lado, que os modelos actuais de previsão dos estragos causados por este tipo de explosão aérea não correspondem às observações; e por outro, que o número de objectos com diâmetros da ordem das dezenas de metros que colidem com a Terra poderá ser até dez vezes maior do que se pensava.
“Os modelos actuais prevêem que um evento como o de Cheliabinsk poderia acontecer com intervalos de 120 a 150 anos, mas os nossos dados mostram que essa frequência poderá estar mais próxima dos 30 ou 40 anos”, diz Brown em comunicado. “Isso é uma grande surpresa”, acrescenta.
“Os nossos cálculos da frequência dos impactos baseiam-se numa década de registos, vindos de sensores de infrassons e outros, dos impactos energéticos na atmosfera terrestre, incluindo Cheliabinsk”, disse ao PÚBLICO Margaret Campbell-Brown, co-autora deste estudo. “Ora, esses registos revelam mais objectos com umas dezenas de metros de diâmetro do que as observações dos telescópios.”
Segundo ela, isso poderá dever-se ou ao facto do número desses objectos próximos da Terra ser maior do que se pensa; ou ao facto de a probabilidade de colisão com esse tipo de objecto, e não o seu número, ser maior; ou ainda a um enorme azar, que fez com que, nas últimas décadas a Terra fosse mais atingida do que é costume. “Não sabemos qual é a resposta”, conclui a cientista, “mas na minha opinião é uma combinação dos dois primeiros cenários; o terceiro é pouco provável”.