Não me recordo do dia em que soube que a minha avó tinha cancro. E hoje, cada vez mais perto da idade que os meus pais tinham naquela altura, admiro o brilhantismo com que geriram toda a situação.
Na altura também me omitiram que após a primeira fase de tratamentos, o corpo dela quebrou e adormeceu num sono profundo. O anúncio foi simples: “Não há mais nada que a medicina possa fazer, nem aqui nem em qualquer parte do mundo. Rezem!”. E unidos fizeram-no tão bem que a guerreira acordou do coma para anos de luta.
A partir daqui as memórias são claras. As incontáveis viagens (dela e nossas) a Coimbra – que incluíam sinuosos percursos de curva contra curva atravessando a montanha mais alta de Portugal –, a dor da partida inesperada e repentina do seu grande companheiro de vida (o meu avô), a amputação da perna, a mudança lá para casa, o deslocar-se de andarilho e depois já só de cadeira de rodas, as dores fantasma na perna que já não possuía, o visível aparecimento da metástase no pescoço, a troca do seu lugar na nossa mesa de jantar pela sopa triturada na cama, as tantas vezes que lhe dei o almoço à boca quando até a água passou a mastigar.
Recordo-me ainda mais lucidamente do dia em que, pela última vez, deixou a nossa casa. Já no jardim, quis reunir-nos a todos para a derradeira despedida, expressada num emocionado “obrigada por tudo”. Faleceu dois dias depois, 7h00 após a maior fadista portuguesa.
Mas nem tudo isto tornou menos dolorosa aquela hora de almoço em que, com o carimbo solidário da Associação Terra dos Sonhos, fui com a Joana conhecer o pequeno Pedro ao Serviço de Pediatria do IPO de Lisboa. Mas porque é que é aqueles pequenos carequinhas que somente sabem brincar genuína e inocentemente com tudo e todos, são obrigados àquela (injusta) segunda casa?
Passamos a vida a querer catalogar as pessoas segundo o número de quilates dos acessórios que usam, os centímetros do salto dos sapatos que calçam ou as letras inscritas na etiqueta da camisola que envergam, mas ali estão todos despidos. Absolutamente nus. Os pais deixam cair todos os artifícios para um apoio incondicional ao maior projeto das suas vidas, numa doença que não descrimina idade, género, raça ou classe social.
Em 2012, os estudos revelavam que um em cada três portugueses irá ter pelo menos um cancro durante a sua vida. O cientista Manuel Sobrinho Simões já alertou para a tendência de subia desta estatística.
Entre os dias 31 de Outubro e 3 de Novembro, a Liga Portuguesa Contra o Cancro vai realizar um peditório nacional. Através de uma contribuição financeira ou de voluntariado, vamos todos colaborar?
Hoje por eles. Amanhã pelos nossos. Um dia por ti. Na necessidade mais básica da existência humana, a saúde, a vida informa: nada nos separa!