Ministério Público proíbe magistrados de se pronunciarem sobre processos
A decisão foi tomada pelo Conselho Superior, presidido pela procuradora Joana Marques Vidal, e abrange também os processos que não estejam em segredo de justiça.
O apelo surge após uma reunião plenária deste órgão, presidido pela procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, realizada no início desta semana. Num comunicado, o CSMP defende que “tal restrição à liberdade de expressão decorre da necessidade de proteger a independência dos órgãos de Justiça e a sua credibilidade perante a comunidade, bem como a isenção e imagem do magistrado”.
“Assim, reconhecendo-se o valor primordial da liberdade de expressão, apela-se aos senhores magistrados que nas informações que concedam, nas opiniões que emitam ou nos comentários que teçam, salvo em apreciações de carácter meramente doutrinário, usem da maior contenção, evitando pronunciar-se sobre processos pendentes ou findos, estejam ou não em segredo de justiça”, lê-se na nota.
O comunicado vai mais longe e pede especial atenção a todos os comentários cuja “pronúncia possa ser veiculada, por qualquer meio, para a praça pública”, remetendo para um dos artigos do estatuto do Ministério Público que impede os magistrados de se pronunciarem sobre processos “salvo superiormente autorizados, para defesa da honra ou para a realização de outro interesse legítimo”.
O Conselho Superior sublinha que a contenção também se aplica “em debates ou troca de opiniões em redes sociais, ou na publicação de artigos em blogues e páginas de Internet, atendendo ao imediatismo, à informalidade, à facilidade de difusão e à fácil descontextualização dos conteúdos que caracterizam tais veículos”. Este conselho é responsável pela gestão dos quadros de magistrados e pela acção disciplinar no âmbito do Ministério Público.
Turbulência com Angola
A tomada de posição do Ministério Público surge numa altura particularmente sensível nas relações bilaterais entre Portugal e Angola. Há semanas que as trocas de declarações entre altas instâncias dos dois países azedavam, mas as relações diplomáticas entraram oficialmente em zona de turbulência depois de, nesta terça-feira, José Eduardo dos Santos ter dito no seu discurso sobre o Estado da Nação que “as coisas não estão bem” com os portugueses. “Têm surgido incompreensões ao nível da cúpula”, afirmou o Presidente angolano, em resposta à polémica gerada pelo pedido de desculpas apresentado por Rui Machete àquele país.
Numa visita oficial a Angola, o ministro português dos Negócios Estrangeiros afirmou, numa entrevista à Rádio Nacional de Angola, que o processo que corre na justiça portuguesa sobre altas figuras angolanas “se tratou de um mal-entendido”. E disse ter pedido, “diplomaticamente, desculpas” às autoridades angolanas. As declarações causaram mal-estar em Portugal — sobretudo depois de o Jornal de Angola ter escrito que Joana Marques Vidal se pôs "fora da lei".
Os pedidos de demissão do chefe da diplomacia sucederam-se. A procuradora-geral da República assegurou não ter comentado com ninguém o conteúdo de investigações e, num comunicado, esclareceu que estavam pendentes no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) “vários processos em que são intervenientes cidadãos angolanos, quer na qualidade de suspeitos, quer na qualidade de queixosos”. Cavaco Silva veio a público lembrar a separação entre os poderes judicial e político e corroborar a posição de Joana Marques Vidal.
Fugas de informação, o principal combate do mandato
As fugas de informação têm sido uma das principais bandeiras que Joana Marques Vidal prometeu combater desde que foi nomeada para o cargo, em Outubro de 2012, sucedendo a Pinto Monteiro. Aliás, ainda neste ano, a procuradora mandou instaurar processos disciplinares (entretanto arquivados em Junho) à ex-directora do DCIAP, Cândida Almeida, e aos procuradores Rosário Teixeira e Paulo Gonçalves para averiguar alegadas fugas de informação a um jornal sobre um encontro mantido com a procuradora.
A primeira reunião entre a procuradora e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), em Janeiro, também versou sobre o segredo de justiça e os comentários online divulgados em espaços editoriais.
Nesse mesmo mês, Joana Marques Vidal determinou a realização de uma auditoria aos inquéritos-crime que nos últimos dois anos tenham estado sujeitos a segredo de justiça e tenham sido objecto de notícias sobre os respectivos actos ou conteúdo passíveis de constituir crime. O objectivo, disse a procuradoria, é adoptar medidas práticas que ajudem a acabar ou diminuir significativamente os crimes de violação do segredo de justiça, o que pode implicar alterações legislativas.
“As repetidas ocorrências noticiosas sobre processos criminais em suposto ou real segredo de justiça, mesmo quando não se traduzam em efectiva violação deste, colocam em causa interesses relevantes de todos os envolvidos e o interesse público no bom andamento e êxito das investigações criminais”, justificava a Procuradoria-Geral da República.