Estado desperdiça milhões de euros em Hospital da Cruz Vermelha
Apesar das falhas apontadas pelo Tribunal de Contas, o actual ministro da Saúde, Paulo Macedo, revalidou o acordo, embora o tenha reduzido a um terço do valor.
O Tribunal de Contas reitera que não existe qualquer justificação para o Estado continuar a pagar por cuidados de saúde naquela unidade. “A celebração dos acordos de cooperação continua a não ser sustentada em estudos de análise custo-benefício ou em quaisquer outros estudos económicos”, lê-se.
O TC estima que “se, ao invés do recurso à prestação de serviços da Cruz Vermelha Portuguesa-Sociedade de Gestão Hospitalar, no triénio 2009-2011, os doentes tivessem sido tratados em hospitais do Sistema Nacional de Saúde (SNS), a poupança ascenderia a cerca de 29,8 milhões de euros.
“Os custos unitários por doente tratado, suportados pela Administração Regional de Lisboa e Vale do Tejo (estrutura do Ministério da Saúde), são superiores aos custos apurados em unidades hospitalares do Sistema Nacional de Saúde”. Refere-se como exemplo a especialidade de cirurgia cardiotorácica, em que, comparando custos nos hospitais de Santa Marta e Santa Maria, ambos em Lisboa, com os da Cruz Vermelha, o que o Estado pagou a mais rondou, em média, os 48% (no triénio 2009-2010).
Um argumento para o recurso a esta unidade poderia ser a não-existência de capacidade de resposta por parte do sistema público, mas também aqui o TC considera que não existe razão para o acordo. Por exemplo, na especialidade de cirurgia cardiotorácica, os hospitais públicos de onde os doentes são enviados (Santa Marta, Santa Maria e Santa Cruz, em Lisboa) “têm manifestado a existência de capacidade disponível não utilizada”.
E, mesmo assim, foi já no mandato do actual ministro da Saúde, Paulo Macedo, que o acordo de cooperação com a unidade foi revalidado. Na resposta ao TC, o chefe do gabinete do ministro da Saúde diz que acolheram a recomendação que pedia a reavaliação do acordo: “É notória a redução no prazo – foi celebrado por apenas um ano e não por três anos – e o montante envolvido – de mais de 20 milhões de euros para cada ano do triénio 2008-2009-2010 para cerca de 7 milhões de euros para o ano de 2013.”
Gastos mal fundamentados
O TC não ficou satisfeito com a resposta, uma vez que a recomendação feita ao Ministério da Saúde não pretendia “a diminuição das quantidades e valores contratados, visando, antes, a adequada fundamentação das necessidades a satisfazer com a celebração dos acordos, tendo em conta a capacidade instalada no SNS, o que continuou a não se verificar.”
O ministro da Saúde, Paulo Macedo, disse publicamente que, em dois anos, os serviços adquiridos a este hospital foram reduzidos para um terço. “Esta diminuição demonstra que a capacidade dos hospitais públicos tem de ser preferencialmente utilizada. É um hospital a que recorremos pontualmente, mas de uma forma menor.”
A história da relação do Estado com o Hospital da Cruz Vermelha começa em 1998. Nessa altura, o Estado, através da Partest, actual Parpública, resgatou da ruína o hospital (até então exclusivamente detido e gerido pela Cruz Vermelha Portuguesa). Injectado o capital, passou então a integrar uma sociedade nova criada com esse propósito, a CVP-Sociedade de Gestão Hospitalar, que continua, até hoje, a ser detida em 45% pelo Estado e em 54,7% pela Cruz Vermelha.
Passaram 15 anos. De 1998 a 2011 foram injectados 283,6 milhões de euros pelo Estado: incluindo 11,7 milhões de euros por ter passado a fazer parte do capital social e 255,8 milhões pelos serviços prestados a utentes do sistema público de saúde, no âmbito dos sucessivos acordos, e 16,1 milhões por serviços prestados a doentes referenciados por hospitais públicos do Algarve.
Apesar das contribuições estatais, em vez de a saúde das contas da unidade ter melhorado, até piorou: o grau de endividamento era de 74% em 2008, passou a 77% em 2011. Para sobreviver, o hospital depende, em larga medida, dos clientes que lhe chegam do sistema público de saúde: são 37% do todo.
Na auditoria de há dois anos, o TC tinha dirigido recomendações directamente ao Ministério das Finanças pedindo que pugnasse por “uma monitorização capaz das contas da sociedade”. Dois anos volvidos, verifica que, “com excepção da recolha de informação financeira semestral não auditada, não foi implementado nenhum procedimento adicional” de controlo das contas.