E pronto. Com este título acabei de mergulhar o país numa crise eterna. Tudo porque escrevi as inocentes palavras “um dia”. Que à primeira vista parecem enunciar um desejo, mas que no fundo são um mero desabafo que aniquila qualquer realização.
Confuso? Vai-me dizer que nunca ouviu, disse ou pensou coisas do género:
Um dia vou escrever um livro.
Um dia mando o meu chefe às favas e abro o meu negócio.
Um dia vou viver para o campo.
Um dia destes ligo-te para irmos almoçar.
E o que é que aconteceu? Nada, pois claro.
Porque começar frases por “um dia” é uma forma de prometer sem se comprometer. Quem verbaliza ou pensa assim, convence-se mesmo que o tal “um dia” vai chegar. Mas quando? Ninguém sabe. Nem o próprio! Pode ser amanhã, mas também pode ser para o ano que vem ou mesmo noutra encarnação. É quando for. É chutar para canto e depois logo se vê. Se der deu. Se não der...cá estamos na mesma.
E a verdade é que nunca dá. Porque isto da concretização de ideias é uma trabalheira. E quando são anunciados com “um dia”, quer dizer que não têm data marcada para conclusão. E já sabemos que, especialmente em Portugal, o que tem data chega sempre atrasado e o que não tem data nunca chega.
O caso dos convites para almoços é particularmente interessante. Porque se todos os convites iniciados com “um dia destes” se materializassem de facto, os restaurantes portugueses não estariam na crise em que estão.
Repare-se que a utilização da contracção “destes” devia indicar que a coisa vai ocorrer já num destes dias que aí vêm e não num “daqueles” quaisquer que hão de vir. Mas todos sabemos que, quando ouvimos “um dia destes”, a coisa não é para ser levada a sério. Até porque estas frases são muitas vezes ditas em tom de despedida e a diplomacia popular obriga a que nos despeçamos sempre com uma imagem positiva e a promessa de um até breve. Mesmo que o “breve” se transforme num “epá já não nos víamos há tanto tempo!”, passados uns meses ou mesmo anos.
Mas o mais cruel “um dia” de todos é aquele que precede uma promessa de amor. O “um dia” do amor é tão universal que até já deu livro "bestseller" e filme de Hollywood. Com final infeliz, claro.
Exemplos?
Um dia levo-te a Nova Iorque para uma segunda lua-de-mel.
Um dia deixo a minha mulher para ficar contigo.
Nestes casos, a expressão “um dia” cobre o desejo de alguém com um véu de esperança. Mas deixa os pés destapados no frio da incerteza do “quando?”.
Quem diz “um dia”, quer sossegar os desejos de quem ouve. Mas, para quem ouve, “um dia” não é um dia qualquer. “Um dia” é “o dia”. Tem artigo definido que determina o quão importante e esperado aquele dia é.
É “o dia em que vamos passear de mão dada no Central Park, meu amor” ou “o dia em que me apareces aqui em casa para ficar, meu sacana”.
O “um dia” no amor é uma anestesia de falsa esperança. Injectada na ansiedade para evitar uma morte de desgosto a sangue frio.
Mas chegará sempre o dia em que a esperança se transformará em desilusão. É aquele dia em que “um dia” já devia ter sido ontem. E que por isso não será amanhã. Será “nunca”. Como outro “um dia” qualquer.