Na PT, tudo amigos como dantes

A memória nos negócios raramente dá dividendos e é por isso que ainda há quem exulte com a anunciada fusão da PT com a Oi. Nos jornais, Zeinal Bava ou Henrique Granadeiro trataram de pintar o cenário com as pomposidades do costume, invocando “externalidades” e “sinergias”, recordando a importância de um “player global”, capaz de ter vez e voz no “desenvolvimento do mercado mundial”. Parole, parole, parole.

O que está em causa não são visões proféticas nem estratégias geniais. É algo mais simples e mais perigoso para o interesse nacional. O que está em causa não é o músculo da PT mas a salvação da Oi. O que está em causa é a diluição da moderna PT num gigante obsoleto e anacrónico. O que está em causa é uma tentativa dos gestores e de alguns dos accionistas da PT de salvarem a pele depois de uma operação ruinosa. Se bem que na fusão esteja prevista a entrada de capital fresco, o que está em causa é a entrega da PT num negócio para salvar uma OI de uma dívida de cerca de nove mil milhões de euros. O que está em causa é o pescoço dos accionistas numa empresa em risco que “depende cada vez mais da ajuda oficial para se salvar” (revista Veja, edição de 4 de Setembro)

A operação em curso mata a autonomia da empresa nacional, se não já, por certo a prazo. A PT será a maior accionista e vai nomear o CEO da nova companhia, mas esta é apenas das muitas verdades transitórias com que a sua história no Brasil nos tem sido contada. Para todos os efeitos, a PT deixa de ser uma empresa 100% nacional com sede em Lisboa para ser parte minoritária de uma empresa estrangeira. Como sublinhou o ministro das Telecomunicações do Brasil, Paulo Bernardo, a nova companhia terá sede no Brasil e a maioria do capital vai ser brasileiro. A prazo, não nos iludamos, a PT conhecerá a sorte da Cimpor. Será uma subsidiária num pequeno mercado.

Quem adivinharia que o futuro da PT no outro lado do mar acabaria assim? Logo após a OPA falhada da Sonae, Henrique Granadeiro dizia que a operadora nacional tinha no Brasil a sua nova fronteira, que a PT seria a compradora natural da operadora Vivo, essa sim uma companhia suculenta. Pouco depois essa verdade deixou de o ser e anunciou-se a inevitabilidade da venda da Vivo à Telefónica, um fracasso que seria remediado com a posterior compra da Oi. Em poucos anos, a PT vendia um carro moderno com força para acelerar e comprava de um chaço que requer permanente assistência.

A história recente da PT, abrilhantada por homens geniais e providenciais que ganham prémios europeus de gestão, chegou assim a um beco que tresanda a ilusão. A PT jamais será o cérebro de uma operadora multinacional com um pé na Europa, outro em África e outro no Brasil, como fora anunciado. Pelo contrário, limitar-se-á a ser um simples calcanhar de uma operadora brasileira sob a ameaça da insolvência. As promessas dos seus comandantes não passaram de um inocente idílio. Ou de um rotundo fracasso que afecta o interesse estratégico nacional. Por muito que os seus líderes e accionistas se esforcem para nos convencer do contrário, o que a fusão pretende é tornar a PT numa cash cow e numa garantia capaz de salvar a ruína da Oi. Ou, por outras palavras, uma ajudinha aos gestores e accionistas que participaram nessa loucura.

Se houvesse um Governo firme de um país digno, a operação seria chumbada; se houvesse uma assembleia geral de accionistas capazes de esquecer teias de cumplicidades e interesses, Zeinal seria vetado. Mas não. Nesta economia mesquinha tudo se salva com um jantar entre amigos ou com uma ajudinha no negócio que há-de vir.

 
 
 

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