Abdellatif Kechiche preferia guardar o seu ménage à trois na gaveta
A dias da estreia de La Vie d'Adèle no mercado francês, e depois das declarações das suas actrizes, o realizar tunisino diz que se sente retratado como um "sádico tirano" e que preferia que o filme não estreasse
Numa entrevista à revista Télérama desta semana, Kechiche diz que, depois das declarações recentes das suas actrizes (sobretudo Léa Seydoux), o filme está “demasiado sujo”: “Na minha opinião, este filme não devia sair. A Palma de Ouro não foi mais do que um breve instante de felicidade, logo de seguida senti-me humilhado, desonrado, senti uma rejeição à minha pessoa que vivo como uma maldição.”
Após títulos como O Segredo de um Cuscuz (2007) ou Vénus Negra (2010), em La vie d’Adèle… Kechiche partiu da novela gráfica Le bleu est une couleur chaude, de Julie Maroh, para narrar a educação sentimental e sexual da adolescente Adèle (Adèle Exarchopoulos) a partir do seu coup de foudre por uma Emma de cabelos azuis (Léa Seydoux).
Foram meses de rodagem, dez dias exclusivamente para uma grande cena de sexo.
Depois da estreia em Cannes, a curiosidade sobre o que se fez no plateau e como pôs meio mundo a suar de desejo, mas também de pudor. As actrizes falaram sobre o “método Kechiche” explicando que, com ele, filmar foi como entrar para uma família.
A câmara sempre à distância – apenas as focais, imperceptíveis, a percorrer de longe (mas muito de perto…) o calor dos corpos das actrizes…
Elas explicaram, por exemplo, que nunca sabiam exactamente se e como estavam em cena. Nada demais. Mas, entretanto, o tempo passou e as entrevistas foram-se somando. E, no fim de contas, e à beira da aguardada estreia no circuito comercial francês – 9 de Outubro –, Kechiche sente-se retratado como o “realizador sádico e tirano” sobre quem acha que pairam dúvidas sobre se terá assediado as actrizes, se as terá acariciado sem que elas ousem confessá-lo. Tudo porque nos últimos tempos elas começaram a fazer saber à imprensa pormenores sobre os motivos pelos quais estaria fora de questão voltarem a trabalhar com Kechiche após esta experiência “horrível”.
“Kechiche é um génio, mas torturado”, “em certo sentido, fica-se preso numa armadilha” de violência física e emocional, foi-se ouvindo. “Vê-se que estávamos realmente a sofrer”, disse Adèle Exarchopoulos ao Daily Beast. “Com a cena de luta, foi horrível. Ela [Léa Seydoux] estava-me a bater tantas vezes, e [Kéchiche] gritava: Bate-lhe! Bate-lhe outra vez!”
Léa Seydoux acrescentou: “Nos Estados Unidos estaríamos todos presos. [Kechiche] filmava com três câmaras, assim, a cena de luta foi um take contínuo de uma hora. E durante a filmagem eu tinha que empurrá-la através de uma porta de vidro e gritar: ‘Agora vai-te embora!” E ela [Adèle] bateu na porta e cortou-se e estava a sangrar por todo o lado e a chorar, com o nariz a pingar, e depois ele [Kechiche] disse: ‘Não, ainda não acabámos. Vamos fazer outra vez.’”
Seydoux falou também sobre o momento em que, em Cannes, se visionou a longa cena de sexo: “Todas as nossas famílias estavam lá, por isso, eu fechava os olhos. [Kechiche] disse-me para eu imaginar que não era eu, mas sou eu, por isso, fechava os olhos e imaginava que estava numa ilha distante, mas não podia deixar de ouvir, portanto não consegui escapar. A cena é um pouco longa demais.”
Ver-se a braços com actrizes que não anteciparam ou digeriram o seu desempenho não é o primeiro contratempo para Kechiche. A 23 de Maio, quando La Vie d’Adèle estreou em Cannes, lá fora houve uma manifestação do Spiac-CGT, o sindicado de profissionais da indústria audiovisual e cinematográfica. Denunciavam-se o que terão sido as más condições de trabalho no filme, com os intermitentes a fazerem acusações de atropelos graves ao código de trabalho – dias de rodagem de mais de 16 horas, falta de pagamento de horas extraordinárias, pressões de todos os tipos…
E depois veio ainda a questão da classificação da obra, devido aos nus frontais e ao sexo explicito. A questão foi: porno? Julie Maroh, a autora da banda-desenhada em que se baseia o filme achou que sim. “É uma exibição brutal e cirúrgica, demonstrativa e fria de sexo dito lésbico, que se torna pornográfica”, disse à imprensa.
As declarações das actrizes começaram pouco depois. Por exemplo à Premiére, explicando que fora “embaraçoso” ver no grande ecrã o que tinham feito na “intimidade” da família de plateau.
Talvez devido tanto devido a esse “embaraço” como à classificação da obra tenha surgido a necessidade de explicar que o sexo não foi real, que havia próteses. Enfim, que “quando se morre num filme não se morre na vida real”. E La Vie d’Adèle acabará por chegar às salas com interdição apenas para menores de 12 anos. No entanto, Kechiche acha que, agora, ninguém verá o filme com “coração virgem e olhar benevolente”.
“Ela [Léa Seydoux] não está a medir as consequências desastrosas das suas palavras”, diz o realizador tunisino à Télérama. “As suas declarações são piores do que cuspir na sopa, são uma falta de respeito por uma profissão que considero sagrada. Se realmente viveu o que conta, então porquê ter vindo a Cannes chorar, agradecer, passar dias a experimentar vestidos e jóias? Que profissão tem ela, actriz ou artista de gala?”
Na mesma entrevista, Kechiche explica que, chegou a pensar chamar Sara Forestier ou Mélanie Thierry para o papel de Emma, mas que acabou por ceder a Seydoux, que insistiu em ficar e lhe garantiu que conseguiria fazer a personagem.