O parecer da Comissão Nacional de Eleições (CNE) sobre a cobertura editorial das autárquicas – que impõe que todas as candidaturas tenham tratamento equivalente por parte dos órgãos de comunicação social – inverte o papel dos media enquanto garante do que é verdadeiramente relevante para os leitores, ouvintes ou telespectadores. Pretende transformar os jornalistas em meros veículos de propaganda política, tenha ela interesse editorial ou não.
Concordamos em uníssono que os media atravessam um momento duro. Que a concentração empurrou todo o sector para um trilho apertado e que a redução de efectivos nas redacções faz com que diariamente cada edição, cada emissão, se pareça mais com um milagre do que com verdadeiro jornalismo. E se é certo que nas autárquicas o problema se agudiza, é de jornalismo que se trata. Apenas disso.
São válidos os argumentos de quem refere os casos recentes de Itália e Brasil, que levaram à elevação – enquanto políticos muito votados – de Beppe Grillo e Tiririca. Inequivocamente, são factos que provam que, no limite, todos têm possibilidades de ser eleitos. Porém, não é esse o papel dos órgãos de comunicação social. Não é o de garantir promoção gratuita aos vários candidatos. É antes o de assegurar – através deste conceito que muitos insistem em não entender e que responde pelo nome de “critério editorial” – que a informação pertinente chegue ao público.
E é aqui que chocam os vários mundos. Esta é a fronteira que depois de ultrapassada jamais voltará a ser segura. A independência editorial é um pilar da democracia e é muito mais valiosa que qualquer debate a 10, com tempos contados e mensagens penosas. E embora alguns meios – como Porto Canal ou Antena1 – mantenham a aposta nos debates entre todos os candidatos (com ou sem tempos contados), tal facto deve-se à sua política editorial, tal como o fizeram, por exemplo, há quatro anos.
Sejamos realistas: a cobertura editorial de uma campanha política não pode ser sinónimo de Dia Aberto das Redações nem tampouco de Direito de Antena. O interesse sobre os candidatos mais credíveis – tenham ou não probabilidade de vitória, mas cujo discurso melhore o debate – é infinitamente maior do que sobre os candidatos menos consistentes, alguns deles sem acções de campanha planeadas e sem a preocupação de informar ou responder aos meios sobre as iniciativas previstas.
Por muito que custe, o critério só deve ser um. O do editor. Alguém que conhece e segue escrupulosamente os códigos deontológicos da profissão, que não tem ligações de conflito de interesse – política, empresarial ou outra – e que tem como único propósito informar o seu público da forma mais independente e rigorosa, sempre numa lógica de pluralidade. Sabemos que nem sempre jornalismo e política cumprem as distâncias de segurança que deveriam, mas se é tempo de atirar a primeira pedra não a gastem com os media. Neste caso, a CNE tem cara de alvo.