Pussy Riot em greve de fome: “As prisioneiras da colónia nº 14 têm medo das próprias sombras”

Nadezhda Tolokonnikova, das Pussy Riot, entrou em greve de fome. Explica que o método "extremo" é o único possível num lugar onde o silêncio é imposto pelo terror.

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Nadezhda Tolokonnikova durante o julgamento das Pussy Riot em Agosto de 2012 NATALIA KOLESNIKOVA/AFP

Em Agosto de 2012, as três Pussy Riot foram consideradas culpadas da acusação de hooliganismo e incitamento ao ódio religioso, por terem cantado, uma “oração punk” na Catedral do Cristo Salvador, em Moscovo, na qual criticavam a Igreja Ortodoxa russa e Vladimir Putin. Nadezhda Tolokonnikova foi então condenada a dois anos de prisão, juntamente com Maria Aliokhina e Iekaterina Samutsevich, entretanto libertada.

Dentro da colónia penal nº 14, “o silêncio é imposto” pelo terror, diz nesta carta aberta publicada no jornal britânico The Guardian. As prisioneiras “têm medo das próprias sombras, vivem aterrorizadas". Não se ouvem queixas. Ou pelo menos, as queixas não atravessam os muros da prisão. Entrar em greve de fome era “a única forma” de se fazer ouvir.

“A administração da colónia prisional recusa ouvir-me”, expõe. “E eu recuso baixar os braços. Não ficarei em silêncio, resignada a ver colegas da prisão a desfalecer sob a pressão de condições de escravatura. Exijo que sejamos tratadas como seres humanos.”

Nadezhda Tolokonnikova lembra que chegou aqui há um ano, vinda do centro de detenção de Moscovo, onde a colónia prisional nº14 já era tristemente célebre por dela se dizer: “Quem nunca cumpriu pena no campo da Mordóvia, simplesmente não cumpriu pena.”

Violações flagrantes
Nada parecia, pois, comparar-se a este lugar, onde “os níveis de segurança [prisional] são os mais altos, os dias de trabalho mais longos e as violações de direitos humanos mais flagrantes.” Na colónia penal nº14, “ninguém ousa desobedecer”, onde o trabalho forçado ocupa dois terços das horas do dia, se dorme quatro horas e se tem uma folga a cada mês e meio. Aqui onde as mulheres podem ser espancadas por tudo e por nada – quando, por exemplo, não conseguem cumprir o nível irrealista de produção diária exigido na fábrica de uniformes da polícia onde Nadezhda Tolokonnikova trabalha. O corpo desfalece perante a brutalidade e, quando os sinais de doença surgem, as súplicas são atendidas sim, mas com humilhação e insultos.

Uma prisioneira de 50 anos, que sofria de tensão alta e se sentia mal, pediu um dia para terminar o turno mais cedo e dormir uma noite completa de oito horas, conta Tolokonnikova. Em vez disso, foi insultada e acusada de ser “parasita”. Noutro caso, uma mulher cigana foi espancada até à morte, há um ano. “A administração encobriu a morte [declarada na unidade médica da prisão]: a causa oficial foi uma trombose.”

Forçar à submissão
Algumas prisioneiras são instrumentalizadas pelos responsáveis. A mando destes ou com o seu consentimento, são elas que agridem as colegas que ficam abaixo das quotas exigidas num dia de trabalho de 16 ou 17 horas.

Os maus tratos são “um método conveniente” para a administração “forçar as prisioneiras à submissão total perante os sistemáticos abusos de direitos humanos”, continua a activista, antes de descrever a “atmosfera ameaçadora, de ansiedade que invade a [sua] área de trabalho”. E os casos de mulheres que, derrotadas pela falta de sono, “pela interminável luta de cumprir quotas de trabalho desumanas”, ficam à beira do esgotamento e se agridem mutuamente, pelas mais pequenas coisas do dia-a-dia ou, fora de controlo, se autoflagelam.

Nadezhda Tolokonnikova lembra-se de ter sido acolhida pelo chefe-adjunto da colónia, tenente-coronel Kupriyanov, que é na realidade, quem administra a prisão: “Devia saber que, no que diz respeito à política, sou um estalinista”, disse-lhe já depois de pressionada a “confessar a culpa”. E quando ela respondeu que apenas trabalharia o previsto no código laboral, oito horas por dia, o outro responsável da administração, coronel Kulagin, prontificou-se a esclarecer que na colónia, a regra era outra. “A nossa força de vontade é maior do que a tua.”
 

Violações "intermináveis"
O desrespeito pelos direitos e necessidades básicas – como o repouso, a alimentação ou a higiene – são “intermináveis”, escreve Tolokonnikova. “As condições de vida e de higiene do campo são calculadas para as prisioneiras se sentirem como um animal imundo e sem direitos”, denuncia ao mesmo tempo que relata momentos em que a sua unidade perdeu o direito a um banho durante duas ou três semanas.

“A administração força as pessoas ao silêncio”, diz Tolokonnikova. "Todos os outros problemas derivam deste. A administração sente-se intocável.” A activista diz que não compreendia por que toda a gente ficava em silêncio. Até ao dia em que ela própria se deparou “com uma avalancha de obstáculos que se abate sobre quem decide falar”. E continua: “As queixas simplesmente não saem da prisão”, diz sem especificar como conseguiu publicar esta carta.

Uma revolta é, porém, impensável. “Ninguém ousa desobedecer.” A uma exposição, pedido ou queixa por escrito, como fez Tolokonnikova, através do seu advogado, a solicitar o respeito dos direitos humanos das prisioneiras, a administração prisional sobe o nível de ameaça e opressão. Em resposta pela acção individual da activista, aplica o castigo colectivo que inibe, paralisa.

O efeito do castigo colectivo
“É possível tolerar qualquer coisa desde que nos afecte a nós apenas. Mas o método do castigo colectivo é maior do que isso. Significa que toda a unidade ou mesmo toda a colónia é submetida ao mesmo castigo. Isto inclui, pessoas a quem entretanto nos ligamos”, escreve, dando exemplos de amigas que sofreram represálias pelas queixas expressas pela activista. Uma viu recusada a passagem a liberdade condicional por que tinha lutado durante sete anos. Outra foi “atirada” para a unidade de espancamentos diários. O tenente-coronel Kupriyanov teve o cuidado de dizer a Tolokonnikova que tudo isto acontecia por causa dela. Nesse momento, ela decidiu parar: “Pus fim ao processo de interpor queixas.”

Agora, lembra que depois de uma dessas queixas, a vida na "unidade e brigada de trabalho” se tornou “impossível”. Desde então, “a pressão não tem parado de aumentar”. “Por isso”, conclui, “a partir do dia 23 de Setembro, inicio esta greve de fome e recuso participar no trabalho escravo na colónia. E assim me manterei até ao dia em que a administração decida cumprir a lei e pare de tratar as prisioneiras como gado”. Até “sermos tratadas como seres humanos”.
 
 

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