Financiamento privado dos partidos caiu para metade nas eleições de 2009

Subida do financiamento público tem acompanhado quebra do financiamento privado.

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Financiamento privado dos campanhas diminuiu cinco milhões de euros em quatro anos Nuno Ferreira Santos

Os dados podem ser visualizados por município.

De uma campanha para a outra, o PS angariou menos dois milhões de euros e o PSD menos 2,7 milhões. Os valores de angariação de fundos são considerados "mínimos", segundo se lê no parecer da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP), órgão que coadjuva o TC na fiscalização do financiamento dos partidos e das campanhas, relativo às últimas autárquicas.

"É convicção da ECFP que os maiores partidos e coligações terão registado as receitas de angariações de fundos como receita do partido, ou que as não terão pura e simplesmente registado, para maximizar a subvenção do Estado, atribuída à campanha, ainda que a ECFP não possa fazer prova dessa suposição", refere o parecer.

O que liga a subvenção à angariação de fundos é central no financiamento de campanha. Há três fontes legais de receitas: subvenção paga pela Assembleia da República, angariação de fundos ou donativos e contribuição do partido. A subvenção tem como objectivo cobrir despesas. Por isso, se uma candidatura angariou fundos, terá de os usar e os deduzir das despesas. Só a diferença será paga pelo Estado. É nesse sentido que, no entender da ECFP, "há uma diminuição sistemática do recurso a angariação de fundos para se optimizar o valor da subvenção estatal a receber".

O PÚBLICO questionou os partidos com assento parlamentar sobre se consideram existir uma relação directa ou de causalidade entre o aumento da subvenção estatal e a diminuição da angariação de fundos, mas apenas obteve resposta do PS, do PSD e do BE. Os socialistas afirmam que, "ao longo dos últimos anos, tem havido um decréscimo de subvenção" para as autárquicas que, entre 2010 e 2013, configura um corte na ordem dos 20%. Assim, os partidos tiveram de "fazer ajustes ao recebimento de subvenção nos seus orçamentos". Por outro lado, os sociais-democratas consideram que, "nas eleições autárquicas de 2009, a subvenção estatal cobriu as eleições do PSD em 80%". Desse aumento da subvenção, o PSD conclui que "decorre uma menor angariação de fundos a realizar pelo partido". O BE realça que a lei estabelecia uma relação directa entre subvenção e angariação de fundos, "mas de forma inversa", ou seja, quanto maior a angariação de fundos, menor a subvenção. Os bloquistas argumentam que, em 2013, "não se pode dissociar a situação de crise da capacidade de angariação de fundos", explicada pela menor capacidade financeira dos apoiantes, pelo que é provável que os donativos voltem a cair. O partido sublinha ainda que agora as angariações de fundos só são descontadas se a subvenção cobrir todas as despesas, isto é, "impede-se que a campanha tenha lucro", mas, por outro lado, se tiver défice, as angariações servem para o colmatar sem que os partidos percam o direito à subvenção.

Questionada pelo PÚBLICO, a Assembleia da República esclareceu que a subvenção vai continuar a ser "limitada pela despesa efectiva", ou seja, "se a soma das receitas (provenientes da subvenção e da angariação de fundos) for superior à despesa efectiva, há devolução de verbas ao Estado, sendo que tal já acontecia em actos eleitorais anteriores".

As regras dos donativos
Quanto à angariação de fundos e aos donativos, existem regras: cada donativo tem de ser feito por cheque ou meio bancário, identificando a origem e o montante (até 25.560 euros por doador). Na prestação de contas, os partidos têm de apresentar comprovativos dos donativos, mas não são obrigados, por lei, a apresentá-los numa lista. Sobre a privacidade dos nomes dos doadores, a lei é omissa, embora haja diferentes interpretações, segundo o PÚBLICO apurou: por um lado, a posição de que as identidades devem estar protegidas, de acordo com a Lei da Protecção de Dados; por outro, que a protecção de dados não se aplica a este caso e que não há nada que impeça os nomes de serem conhecidos.Concretamente, o financiamento privado foi de 7% do total das receitas de 2009. Já o financiamento público foi de 68% (o restante diz respeito à contribuição do partido). Nas duas campanhas, o Estado pagou 80 milhões de euros: 36 milhões em 2005 e 44 milhões em 2009. Só na última campanha, a subvenção cobriu 88% das despesas.

O aumento de 20% da subvenção deveu-se à actualização do salário mínimo (de 374 para 426 euros), por ser esse o valor de referência para cálculo do limite de despesas, a partir do qual é calculada a subvenção. Apesar de a lei ter substituído o salário mínimo pelo Indexante de Apoios Sociais (IAS) como referência, os 426 euros continuaram, e ainda continuam, a estar em vigor até que o IAS (419,12€) atinja esse valor.

Para receberem subvenção, os partidos ou grupos de cidadãos têm de fazer o pedido à Assembleia da República, após a saída dos resultados eleitorais. O cálculo é feito para cada candidatura, tendo em conta o número de votos para a Assembleia Municipal, as despesas e as angariações de fundos. Segundo a lei do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, a subvenção a distribuir por todas as candidaturas de um município é igual a 150% do limite de despesas para o município (este ano com um corte de 20%). Desse total, 25% são distribuídos igualmente pelas candidaturas que tenham concorrido aos dois órgãos municipais e tenham obtido representação de pelo menos um elemento directamente eleito ou, no mínimo, 2% dos votos em cada sufrágio. Os restantes 75% são distribuídos proporcionalmente aos resultados para a Assembleia Municipal. Se um partido obtiver 60% dos votos, terá direito a 60% desse valor restante de subvenção.

Este ano, a Assembleia adiantará 50% da subvenção nos 15 dias seguintes ao pedido de pagamento e o restante até ao máximo de 60 dias. Só depois os partidos são obrigados a apresentar contas à ECFP. Estas serão as primeiras eleições em que, por lei, o prazo conta a partir do pagamento integral da subvenção e não da saída oficial dos resultados.

Visto a fiscalização das contas só ser feita após o pagamento da subvenção, se houver pagamento em excesso, cumpre à Entidade das Contas emitir as irregularidades no parecer, para posterior decisão pelo Tribunal Constitucional. De acordo com o que o gabinete da secretária-geral da Assembleia da República disse ao PÚBLICO, "a serem identificadas diferenças, quer na subvenção/receitas, quer nas despesas, devem as forças políticas ser questionadas no sentido de corrigir o valor da subvenção atribuída".

"A democracia tem custos"
"Os partidos não vão perder tempo a angariar fundos e se o fazem é de outra forma", disse ao PÚBLICO Manuel Meirinho, presidente do ISCSP e ex-deputado eleito como independente pelas listas do PSD em 2011. Meirinho considera "manifestamente elevados" os valores de financiamento público, sobretudo numas eleições caracterizadas por uma "dinâmica de proximidade". Para o ex-deputado, o aumento da injecção de dinheiro público nas eleições não se reflectiu numa maior participação eleitoral, como se vê na elevada taxa de abstenção nas autárquicas. "No limite, poderíamos ter o mesmo financiamento de 1976 e não ter variações nenhumas no comportamento eleitoral", considera. "É claro que a democracia tem custos, mas temos é de determinar quais é que pode pagar."

Manuel Meirinho defende uma "lei mais permissiva na angariação de fundos", que permita aos candidatos terem relações mais abertas, "com formas de controlo da regularidade e legalidade, como no modelo americano", evitando assim que consolidem a sua "dependência" do Estado. O ex-deputado rejeita a ideia de que é o financiamento público que assegura um menor financiamento ilícito pelos partidos, até porque há uma dimensão social, "que se traduz em apoios imateriais", podendo ficar fora das contas.

Paulo Morais, vice-presidente da Associação Cívica Transparência e Integridade (TIAC) e director do Instituto de Estudos Eleitorais da Universidade Lusófona do Porto, coloca a questão de outra forma, ao explicar que parece não existir uma relação directa entre o aumento da subvenção estatal e a queda da angariação de fundos por parte dos partidos, "até porque parte do financiamento das campanhas é feito em dinheiro vivo (notas)".

Na avaliação que faz, o próprio aumento da subvenção não constitui por si só um problema. "É preferível que o financiamento seja público, limitado e transparente, em vez de privado, secreto e quase ilimitado", afirma. Mas se o sistema americano, de divulgação pública da lista de contribuintes e dos valores doados para as campanhas, tem algumas virtudes, Paulo Morais acredita que pode não ser a solução para Portugal, onde o peso do Estado na economia é incomparável. "Em Portugal, com a capacidade que os actores do Estado têm de definir quem pode fazer negócios, o financiamento de campanhas é um mecanismo preferencial de tráfico de influências", diz.

Paulo Morais está convicto de que o actual modelo de financiamento beneficia todos os intervenientes. E descreve uma teia em que entram partidos que "não têm limitações nos gastos", "angariadores que arrecadam comissões obscenas", e "financiadores", os que "mais ganham", já que os seus contributos "garantem favores do Estado", sob a forma, por exemplo, "de obras públicas e licenciamento de obras ilegais". O vice-presidente da TIAC traça um cenário negro em que os angariadores de donativos retêm, em média, 40% do montante e entregam o restante aos partidos, "que depois o gastam de forma ilimitada, indiscriminada e sem documentos que atestem as despesas".

Para as próximas autárquicas, em que há um corte de 20% na subvenção, os partidos orçamentaram 9,6 milhões de euros em despesas, um valor que fica longe do que foi gasto nas duas últimas campanhas e abaixo dos 38 milhões de euros de subvenção que a Assembleia da República tem orçamentados para este ano. com Rita Brandão Guerra

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