"Blue Jasmine" é o objecto mais intrigante que Woody Allen dirigiu nos quase dez anos que decorreram desde "Match Point" (2005). Não estamos a chamar-lhe “o melhor”, atenção; apenas “o mais intrigante”.
"Blue Jasmine" ejecta por completo a bonomia das “excursões turísticas” "Vicky Cristina Barcelona" (2008), "Meia-Noite em Paris" (2011) e "Para Roma com Amor" (2012); partilha o negrume existencial de "O Sonho de Cassandra" (2007) ou "Vais Conhecer o Homem dos Teus Sonhos" (2010), mas fá-lo dentro das coordenadas semi-sarcásticas de "Tudo Pode Dar Certo" (2009). É, dir-se-ia, uma espécie de “sumário” do Allen contemporâneo: um filme desencantado e amargo sobre uma vencida da vida que se recusa a enfrentar a realidade, num jogo literário que muitos observadores têm considerado ser uma referência ao "Eléctrico Chamado Desejo" de Tennessee Williams - tal como Blanche Dubois, também a Jasmine que dá título ao filme (de seu verdadeiro nome Jeannette) depende da “kindness of strangers” (embora a desbarate muito mais depressa).
Mas há duas razões para "Blue Jasmine" se elevar acima dessa soma de referências: uma chama-se “crise económica” e a outra Cate Blanchett.De algum modo, "Blue Jasmine" é o “filme Occupy” de Allen, com a sua heroína a ser uma “tia” de Park Avenue cujo marido se revela ser um vigarista à Bernie Madoff, vivendo à grande e à francesa com o dinheiro dos outros. Jasmine é um membro do “um por cento” cuja perda brutal de status social a leva a ter de regressar aos “99 por cento” onde começou a vida, mudando-se para São Francisco para morar com a meia-irmã caixa de mercearia e procurar emprego. A ideia de desenhar o retrato de uma tia perdida entre o povo não é, admissivelmente, coisa nova nem inspirada, mas a introdução de um comentário “social” é coisa invulgar no cinema do nova-iorquino - e é aqui que entra Cate Blanchett, que insufla em Jasmine toda a personalidade de uma mulher que se deixou seduzir pelos confortos do mundo e torna o “boneco” da tia perdida entre o povo numa pessoa de corpo inteiro. É uma performance atenta e vibrante, toda em nuances, que nunca escamoteia o lado desagradável, egoísta, absorvido de Jasmine mas também não evita o seu lado humano, emprestando-lhe uma complexidade que não encontramos nas outras personagens (apesar dos bons esforços de Sally Hawkins ou Bobby Cannavale, por exemplo), e confirmando como Allen continua a ser capaz de arrancar interpretações de estadão. Não é, repetimos, o “melhor Allen” desde Match Point - dramaturgicamente, sente-se às vezes que o cineasta continua encostado à bananeira e mantém a fórmula a carburar sem esforço, o que até se percebe vindo de alguém que já nada tem a provar. Mas, enquanto carta razoavelmente fora do baralho sobreposta a essa fórmula, é um dos mais interessantes.