Ambição ou exploração? A polémica após a morte de um estagiário do Bank of America

Moritz Erhardt, 21 anos, trabalhou praticamente 72 horas seguidas. Foi encontrado morto na casa de banho da residência onde vivia em Londres.

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Erhardt dizia ser “altamente competitivo e de natureza ambiciosa" Facebook

Este não era o primeiro estágio de Moritz Erhardt. O jovem alemão, que tinha sido estudante de intercâmbio na Stephen M. Ross School of Business, da Universidade de Michigan, já tinha estagiado na Morgan Stanley e no Deutsche Bank, entre outras instituições financeiras. A sua passagem de sete semanas pelo Bank of America Merril Lynch (BAML), em Londres, estava a dias de terminar. Quando morreu - o corpo foi encontrado na casa de banho do dormitório onde residida temporariamente -, tinha trabalhado três dias seguidos.

Até ao último dia de trabalho tinha deixado uma impressão muito positiva entre colegas estagiários e a empresa que o escolhera para mostrar o seu melhor. No seu blogue a confirmação de que queria ir longe. Afirmava ser “altamente competitivo e de natureza ambiciosa", características que terá alimentado devido às expectativas que a família tinha quanto ao seu futuro.

A causa da morte de Erhardt ainda não foi divulgada. A única informação dada aos jornalistas é que o jovem terá sofrido um ataque epiléptico e que estão a ser realizadas análises para determinar se estava sob efeito de alguma substância na altura da morte. A Scotland Yard, responsável pela investigação, confirmou, por sua vez, citada pelo Guardian, que a morte não está a ser tratada como suspeita.

Uma “superestrela” com futuro promissor
Um dos colegas de estágio descreveu-o como uma “superestrela”, “muito popular”, destinado a “ser grande”. “Trabalhava muito e era muito focado. Trabalhamos habitualmente 15 horas por dia ou mais e não havia alguém mais trabalhador do que ele”, confessou em declarações ao jornal Evening Standard. Segundo o Financial Times, em Agosto, os estagiários do BAML recebiam uma média de 2700 libras mensais (3100 euros).

A popularidade é sublinhada também pelo Bank of America, que através do porta-voz, John McIvor, descreveu Erhardt como “um estagiário altamente activo” e “com um futuro promissor”. Num comunicado emitido após a morte, o BAML prestou condolências à família.

Questionada sobre as horas de trabalho exercidas pelos estagiários, a empresa manteve-se em silêncio. “Recebemos os nossos estagiários ao longo do Verão, a principal razão para isso é a grande oportunidade para os estagiários ficarem a conhecer-nos melhor enquanto organização e para nós conhecermos também melhor os nossos estagiários”, afirmou o porta-voz.

Através deste processo, que o banco sublinha ser uma parte importante para o programa de recrutamento, o banco escolhe aqueles que serão os chamados “banqueiros juniores”. “É melhor do que realizar entrevistas cara-a-cara”. O BAML garante que durante o estágio os jovens recebem apoio através de mentores e do departamento de recursos humanos.

Mercado de trabalho pode forçar situações limite
Banqueiros ouvidos pelo Financial Times admitem horários acima das 12 horas diárias mas para os quadros das empresas. Um desses responsáveis diz que os quadros “têm de trabalhar como cães” mas os “estagiários não podem fazer longas horas de trabalho por serem considerados muito inexperientes”. A questão de o estágio ser o método mais usado para recrutar novos quadros é usada por outros banqueiros em declarações ao jornal. “Os estágios não são pensados para serem uma loja de doces nem para provocar em alguém um sentimento terrível”, defende uma das fontes consultadas.

A Intern Aware, uma organização britânica que defende os direitos dos estagiários, considera que o papel dos recursos humanos é muito importante nesta questão. Para o co-director da Intern Aware, Ben Lyons, cabe a esse departamento “garantir que os jovens são acompanhados e as suas necessidades vigiadas de perto”. A organização defende que se alterem as políticas dos recursos humanos e “os funcionários sejam avaliados não sobre o número total de horas que são capazes de trabalhar, mas pela qualidade do trabalho que são capazes de produzir".

A hipótese de a ambição poder levar a que se ultrapassem limites é também levantada por Chris Roebuck. Este professor de liderança na Cass Business School, que já ocupou lugares de direcção no departamento de recursos humanos em banco internacionais, afirma que, “por razões relacionadas com a ambição individual ou com o actual mercado de trabalho, as pessoas estão desesperadas em arranjar um emprego”.

É aqui que a questão da exploração no trabalho se coloca. “Alguns empregadores estão a explorar esse facto, forçando as pessoas a ultrapassar o limite do que faz sentido para a sua saúde ou para uma perspectiva de negócio”, argumenta Roebuck ao Financial Times.

A organização britânica Finance Interns, que oferece aconselhamento a estudantes ou licenciados quando entram no mercado de trabalho, utiliza a palavra “escravatura” para descrever a forma como os jovens são tratados quando entram em algumas empresas do mundo financeiro.

Um porta-voz da organização explica que as recompensas muitas vezes oferecidas aos estagiários, como despesas pagas em viagens ou em divertimento nocturno, podem levá-los ao excesso. “É uma fachada gloriosa. Mas quando estamos a trabalhar são 24 horas por dia, durante 12 semanas. Seis dias e meio por semana. Trabalhamos no fim-de-semana e talvez nos dêem a tarde de domingo”, exemplifica.

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