Novos confrontos no Cairo em "Sexta-feira de Raiva"
Milhares de apoiantes da Irmandade marcham em direcção ao centro do Cairo, onde o Exército bloqueou várias ruas. Há já notícia de cinco mortos
As primeiras informações que chegam do Cairo dão conta de que milhares de pessoas se concentraram, ao início da tarde, na zona noroeste do Cairo e começaram a marchar em direcção ao centro depois das orações semanais de sexta-feira, aos gritos de "Abaixo o governo dos militares". O Exército, em força nas ruas desde quarta-feira, bloqueou os principais acessos ao centro e, num comunicado lido na televisão estatal, avisou que "vai agir de firmemente contra quem violar a lei".
Começam também já a chegar notícias de confrontos, tanto no Cairo, onde se ouviram já alguns disparos, como na cidade de Ismailia, junto ao Canal do Suez, com informações de que quatro manifestantes foram mortos pela polícia. A agência oficial Mena avançou que um polícia teria sido morto numa emboscada no Cairo, sem adiantar mais pormenores.
Quarta-feira Negra
O último balanço oficial confirma que mais de 600 pessoas morreram desde quarta-feira no Egipto, na esmagadora maioria no Cairo, onde a polícia usou balas reais para dispersar os apoiantes do Presidente deposto Mohamed Morsi que desde o início de Julho ocupavam duas praças no Leste do Cairo. Depois disso, a violência espalhou-se a várias partes da capital e também a diferentes cidades, com confrontos que opuseram os islamistas às forças de segurança e aos apoiantes do Governo interino (tutelado pelo Exército).
O estado de emergência e o recolher obrigatório – imposto entre as 19h e as 6h do dia seguinte – contribuíram para uma relativa acalmia da situação na quinta-feira, apesar de manifestações em Alexandria e no Cairo terem terminado com o incêndio de edifícios governamentais.
Mas o regresso da violência fazia-se anunciar depois de a Irmandade ter chamado os seus milhões de apoiantes às ruas para uma nova “Sexta-feira de Raiva” – nome porque ficou conhecido o mais sangrento dos dias de protesto que antecederam a queda de Hosni Mubarak, em 2011. “Apesar da dor e lamento pela morte dos nossos mártires, os últimos golpes criminosos aumentaram a nossa determinação para acabar com eles”, lê-se num comunicado do movimento islamista que, depois de ter vencido todos os escrutínios realizados desde 2011, luta agora pela sua sobrevivência.
Um risco que é maior face ao apelo lançado pela Frente de Salvação Nacional, coligação de partidos liberais que apoiou o golpe de 3 de Julho, ter pedido aos seus manifestantes para saírem também à rua, noticiou a BBC. Alguns bairros organizam-se também para impedir a passagem dos manifestantes pelas suas zonas e os cristãos coptas, a principal minoria do Egipto, organizam-se para impedir que mais igrejas sejam atacadas .
A televisão estatal anunciou que o Exército recebeu ordens para proteger as "instalações vitais" da nação. Temendo também a violência, vários países europeus estão a reforçar os avisos aos seus cidadãos para que não viajem para o Egipto, em muitos casos estendendo o alerta também às estâncias balneares do Mar Vermelho.
Conselho de Segurança exige “máximo de contenção”
Reunido de emergência para analisar a situação no Egipto, o Conselho de Segurança apelou na madrugada desta sexta-feira ao fim da violência e ao “máximo de contenção” de parte a parte.
“A posição dos membros do Conselho é que é importante que termine a violência no Egipto e que as partes tenham o máximo de contenção”, anunciou a embaixadora da Argentina, país que detém actualmente a presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU. A reunião foi pedida pela França, Reino Unido e Austrália.
Maria Cristina Perceval sublinhou que esta não é ainda uma declaração oficial do Conselho de Segurança sobre os incidentes no Egipto, mas um primeiro comentário. A embaixadora da Argentina não deixou de lamentar a “perda de vidas humanas”, sublinhando que só com o fim da violência haverá lugar para a “reconciliação nacional”.
A primeira reacção do Conselho de Segurança à intervenção da polícia egípcia, na quarta-feira, contra apoiantes do deposto Presidente Mohamed Morsi, surge depois de os Estados Unidos terem criticado a violência que se registou na capital do Egipto.
O Presidente norte-americano anunciou que a cooperação militar com o país vai ser revista, o que pode comprometer a distribuição anual de cerca de 1300 milhões de dólares dos Estados Unidos ao Exército egípcio.
“A nossa cooperação não pode continuar como o costume quando civis estão a ser atacados”, explicou Barack Obama, que anunciou o cancelamento imediato da operação Bright Star, uma série de exercícios militares conjuntos, iniciados em 1981 no âmbito dos Acordos de Camp David, e que estavam marcados para meados de Setembro na região do Sinai.
A posição de Washington sobre a quarta-feira sangrenta egípcia segue-se a outras da comunidade internacional. A Turquia disse ser “completamente inaceitável” o que aconteceu no Cairo, pedindo à comunidade internacional que travasse o “massacre”. Palavras de condenação surgiram também pela parte do secretário-geral das Nações Unidas, bem como da União Europeia, que considerou que a “violência não conduzirá a qualquer solução” para a crise política no Egipto.