Amazónia ainda vive o rescaldo da extinção dos grandes mamíferos
Mamíferos gigantes que hoje já não existem, mas que povoaram o continente americano até há cerca de 12.000 anos, espalharam potássio pelas florestas, enriquecendo regiões que hoje são mais pobres a nível dos nutrientes
“Este serviço é análogo ao feito pelas artérias nos seres humanos [que levam nutrientes e oxigénio a todos os tecidos do corpo]”, lê-se no artigo da equipa de Christopher Doughty, do Instituto de Alterações Ambientais, que pertence à Escola de Geografia e Ambiente da Universidade de Oxford, no Reino Unido. “Os grandes animais funcionavam como as artérias dos ecossistemas, transportando nutrientes para regiões mais longínquas, e os animais mais pequenos eram os capilares, que distribuíam os nutrientes em para subsecções desses ecossistemas.”
Os grandes mamíferos eram uma presença assídua na maioria dos continentes da Terra. Se África tem hoje as suas girafas, elefantes ou rinocerontes, quando os primeiros humanos chegaram à América, há cerca de 13.500 anos, terão encontrado tatus do tamanho de pequenos carros, preguiças-gigantes que faziam a vida na terra – o Megatherium pesava quatro toneladas e media seis metros –, além dos mais conhecidos mastodontes, tigre-dentes-de-sabre ou o leão americano.
Nessa altura, na América do Sul, o peso médio de todos os animais com mais de dez quilos era de 846 quilos. Muitos deles seriam herbívoros que caminhavam por vastas regiões.
“Os herbívoros ingerem nutrientes como o azoto e o fósforo nas plantas que comem, e excretam estes nutrientes principalmente na urina e nas fezes – passado um período de tempo que depende do seu tamanho corporal e da fisiologia da sua digestão”, explica Tanguy Draufness, do Instituto Nacional Francês para a Investigação Agrícola, em Montepellier, França. “Ao longo do tempo, um herbívoro exporta nutrientes de um lugar onde preferencialmente come, para outro, onde defeca. No entanto, os nutrientes que foram excretados acabam na vegetação vizinha que cresce e, por sua vez, podem ser consumidos por outro indivíduo e excretados noutro local. Os nutrientes podem viajar de um lado ao outro do continente”, resume o investigador, num artigo da mesma revista que comenta este novo estudo.
Há cerca de 12.000 anos, esta distribuição acabou nas Américas. A causa final da extinção dos grandes mamíferos que se deu nos dois continentes, como aconteceu milénios antes na Austrália, ainda não foi determinada. As duas explicações mais fortes referem por um lado a caça feita pelo homem, por outro, grandes alterações no clima. Mas o resultado, na América do Sul, foi o desaparecimento de 62 espécies e de 70% das espécies que pesavam mais de 10 quilos. Assim, o peso médio dos animais com mais de dez quilos passou dos 843 quilos para os 81 quilos.
A equipa de Christopher Doughty analisou a difusão do fósforo na Amazónia antes e depois da extinção da megafauna, considerando que esta difusão era semelhante à do calor. Basicamente, fizeram um modelo do fluxo dos nutrientes, a partir da fórmula que define a difusão do calor na atmosfera. Os seus resultados mostram que houve uma diminuição em 98% da dispersão do fósforo nesta região. Esta diminuição na forma como o fósforo é distribuído ainda não terminou, só vai estabilizar completamente, segundo as contas da equipa, daqui a 17.000 anos.
Nessa altura, a distribuição deste nutriente no ecossistema vai ser quase só determinada pelos processos geológicos, como a vinda de nutrientes dos Andes pelo rio Amazonas ou o movimento atmosférico das partículas provenientes do deserto do Sara que atravessam o oceano Atlântico e vão ser depositadas na Amazónia.
“De uma forma simples, quanto maior for o animal, maior o seu papel na distribuição dos nutrientes que tornam o ambiente mais rico”, explicou em comunicado Christopher Doughty. “A maioria dos grandes animais do planeta já estão extintos, cortando as artérias que carregavam os nutrientes muito para lá dos rios, para áreas inférteis”, acrescenta. Segundo os autores, se esta extinção tiver sido causada pelo homem, então o papel que a espécie humana tem na alteração do ambiente iniciou-se milénios antes do nascimento da agricultura.