O ex-padre gay que escreveu ao Papa

"A Igreja vai continuar a permitir, com o seu silêncio, que jovens de diversos países sejam estigmatizados e assassinados por causa da sua orientação sexual?"

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Andrés Gioeni tem 41 anos e vive há quase dez com o seu companheiro Luís Daniel Bertero Representaciones

Durante dois anos e meio, Andrés Gioeni foi padre em Mendonza, Argentina. Quando, por fim, aceitou a sua homossexualidade, na altura com cerca de 30 anos, largou a batina. "A minha saída do sacerdócio foi caótica, escandalosa, dolorosa". Hoje, com 41, o ex-padre é actor, escreve e encena peças infantis e vive há quase dez anos com o seu companheiro, Luís. Na semana passada, depois de ouvir o Papa Francisco apelar à integração dos gays na sociedade, publicou no seu perfil de Facebook uma carta aberta a Bergoglio, partilhada centenas de vezes e amplificada nas páginas da imprensa sul-americana.

Assinada por "Andrés Gioeni, outro filho de Deus", a carta começa por congratular o Papa pela "lufada de ar fresco" que tem sido o seu recente percurso. Mas ao segundo parágrafo deixa um aviso: "(...) ainda há muito caminho a percorrer." "Pessoalmente, faço eco das suas palavras: quero 'fazer barulho', quero 'que não me excluam', quero pertencer", escreve, antes de revelar o seu passado como "padre, pastor e missionário", altura em que já apelava a uma "abertura eclesiástica". Após ter assumido a sua "tendência homossexual" e de ter "admitido a impossibilidade de exercer o sacerdócio em celibato", Andrés tomou outros rumos. "A minha vocação tingiu-se com outras matizes."

O actor, argentino como Francisco, assume-se como um "porta-voz" de grande parte da comunidade homossexual que, com "humildade", pede "encarecidamente" ao Papa que "incentive, estimule, promova e acompanhe um maior aprofundamento na teologia moral sexual acerca do lugar e da experiência da pessoa homossexual". "Não peço que de um dia para o outro a Igreja mude o catecismo em relação a este tema", diz Andrés, que reclama "uma leitura mais aprofundada e despojada de preconceitos das Sagradas Escrituras".

"Terror e pavor" de desafiar Deus

Num "tempo propício" a mudanças, em que "muitos governos e estados estão a abraçar uma maior abertura, uma nova visão de casal", Andrés sublinha que "é necessário que a Igreja dê um passo mais contundente e significativo". Reconhecendo que também "não se sente inteiramente identificado" com alguns dos protestos das marchas de Orgulho Gay, o argentino apresenta-se como uma possível "ponte" entre duas "posturas tão desencontradas": a comunidade LGBT e a Igreja. E enuncia algumas perguntas que estão "escondidas" nessas reivindicações: "A Igreja vai continuar a permitir, com o seu silêncio, que jovens de diversos países sejam estigmatizados e assassinados por causa da sua orientação sexual? Não é tempo, tal como disse, de sair e defender a integridade do homem com uma mensagem conciliadora e inclusiva?"

Na conclusão, Andrés relata como foi difícil assumir a sua homossexualidade. "Tive terror e pavor de estar a desafiar a vontade de Deus e de estar no precipício do inferno."

Hoje, feliz e "realizado", lança um apelo: "Ajude-me e ajude tantos outros a descobrir o caminho da fé sem renunciar a esta experiência de amor." Num depoimento à "Folha de S. Paulo", Andrés diz que continua a acreditar em Deus ("Ele continua a amar-me e a acompanhar-me, não importa que eu seja homossexual"), mas não na Igreja "que tem tantas leis". "O catecismo não pode continuar a dizer que um gay é uma aberração. Sei que as mudanças não serão de hoje para amanhã. Mas espero que, daqui a 30 anos, um menino possa dizer sem medo que é homossexual."

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