Ainda há dias lia o extraordinário relato do premiado jornalista português Tiago Carrasco quando me detive nesta frase, que também o deteve a ele, algures nos Camarões: “Chorei toda a vida por um par de sapatos, até que me cruzei com um homem sem pernas.” Aqui está: a teoria da relatividade. Não é essa; a outra. Aquela que nos acerta como um bofetão existencial quando nos cruzamos com um cego ou um paraplégico. A que nos torna gratos por termos família e recursos quando passamos por um sem-abrigo. Tudo é relativo. Menos a morte, já dizia a minha avó. Em termos de riqueza, e numa perspectiva macro, somos (quase) todos ricos. Em comparação com o camaronês que chorava por um par de sapatos, nós somos o Américo Amorim. Esta simulação é muito esclarecedora. Mesmo quem recebe o salário mínimo português — 485 euros mensais, o que perfaz 6790 euros anuais (x14) — está entre os 13,5% de pessoas mais ricas deste mundo. Do caraças, não é? E depressivo também.
Qual é o problema da teoria da relatividade? Ninguém quer ficar em último. Quem fica em último já não pode olhar para baixo. A este propósito, vi há poucas semanas uma peça do “60 Minutes” acerca das origens da moralidade. Tratava-se de um estudo conduzido por Yale e tinha como universo alguns bebés e crianças. Nesse estudo era perguntado a uma série de crianças se preferiam dividir igualitariamente um determinado número de fichas com um companheiro ausente — cada ficha dava direito a um prémio — ou ficar com mais fichas que o outro. A maioria das crianças opta por dar zero fichas ao companheiro ausente, ainda que elas próprias fiquem, em absoluto, com menos fichas e prémios que potencialmente poderiam ter se escolhessem a opção igualitária. “Eles não se importam com a justiça, eles querem é ter relativamente mais”, resumia Paul Bloom, autor do estudo e professor de psicologia em Yale. Conclui-se que a obsessão pela comparação social começa cedo. Será que alguma vez acaba?