Associações alertam que novo quebra-mar ameaça tartarugas marinhas em Cabo Verde
Governo cabo-verdiano diz não haver indícios de que a obra afecte a espécie. Ambientalistas contestam e preveêm grande impacto na circulação e desova da tartaruga comum.
A preocupação com o impacto da construção do quebra-mar da Baía do Algodoeiro, da responsabilidade de uma cadeia internacional de hotéis e aprovada recentemente pelo executivo da Praia, já motivou contestação popular, nomeadamente através de uma petição que juntou 5000 assinaturas.
Num debate esta semana em Lisboa, a Associação Cabo-verdiana de Lisboa (ACL) e a Associação Tartarugas Marinhas para os Países Lusófonos (ATM) alertaram para os riscos do projecto que, segundo as organizações, visa apenas beneficiar os banhistas de três hotéis naquela zona, conhecida por ser ventosa e ter uma ondulação forte.
Em declarações à Lusa, Fernando Miranda, da ATM, disse que, embora tenha sido aprovado o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), o projecto é polémico e merece a contestação da Câmara Municipal do Sal – com cujo presidente a Lusa tentou falar, sem êxito – e da Direcção Geral do Ambiente, que apresentaram pareceres contra o quebra-mar.
A mesma fonte considerou que o EIA do projecto “tem algumas lacunas”, nomeadamente ao afirmar que a “considerável biodiversidade” da zona não tem “carácter de proteção especial”, quando documentação do Ministério do Ambiente de Cabo Verde, datada de 2012, indica a zona como “uma importante área de desova da tartaruga marinha Caretta caretta”. Esta espécie está classificada como "em perigo" de extinção desde 1996 pela União Internacional para a Conservação da Natureza.
Num artigo a publicar na revista cabo-verdiana Nos Terra, Miranda e outros activistas escrevem que aquela espécie, chamada tartaruga comum ou cabeçuda, fica ameaçada pelo quebra-mar “porque os esporões dificultarão a circulação destes animais nas referidas praias, interferindo significativamente com a sua desova”.
Recordando que Cabo Verde é considerado a terceira zona mais importante para a nidificação desta espécie de tartarugas marinhas a nível mundial, os autores do texto consideram este animal “um importantíssimo património natural do país”.
Os activistas recordam que as praias da zona abrangida, integrada na Reserva Natural da Ponta do Sinó, são desde 2008 monitorizadas regularmente pela organização não-governamental SOS Tartarugas, que concluiu que aquela área é “de grande importância para a desova da tartaruga comum, apesar das alterações verificadas na zona em consequência das estruturas hoteleiras já construídas”.
Segundo o artigo, o total dos ninhos encontrados naquela zona representa entre 14,8 e 31,4% do total de ninhos contabilizados na ilha.
Miranda e os restantes autores do artigo acrescentam que o próprio EIA reconhece que a construção do quebra-mar levará “à ocorrência de impactes irreversíveis importantes”, nomeadamente à “destruição da vida marinha”.
À Lusa, o responsável lamentou que o EIA não faça uma análise económica do impacto que a obra terá nas populações, nomeadamente na pesca, já que aquela zona, rica em corais, é um suporte para a actividade pesqueira. “Toda essa zona de coral vai ser destruída”, lamentou, sublinhando o impacto também na actividade do mergulho.
O artigo da Nos Terra acrescenta que o projecto afectará a zona da Ponta Preta, considerada pela CNN como a 36.ª melhor praia do mundo para eventos de surf, kitesurf e windsurf. “Isso também não foi contabilizado no EIA e tem um grande peso para o país”, lamentou Miranda.
Governo nega impacto
Questionado pela Lusa sobre estas críticas, o ministro do Ambiente, Habitação e Ordenamento do Território de Cabo Verde, Antero Veiga, sublinhou que a decisão de aprovar a construção do quebra-mar foi tomada com base num “resultado técnico favorável”.
“Se há estudo que nós acompanhámos com muita atenção e muita lucidez foi esse. Tivemos de enviar uma equipa multidisciplinar a Portugal, numa missão para ver as simulações laboratoriais, porque não temos condições de as fazer em Cabo Verde. O resultado é positivo”, reiterou.
O ministro sublinhou que, segundo o estudo, a obra “não vai diminuir em nada a intensidade das ondas” e “não há nenhum indício de que possa impedir a nidificação das tartarugas marinhas”.
“Sobre este projecto circularam informações que não têm fundamento técnico. Eu não tenho conhecimento de nenhuma posição tecnicamente bem fundamentada a pôr em causa a viabilidade do projecto e estamos a falar num total de 1443 novos postos de trabalho que serão assegurados”, sublinhou o governante.
Veiga acrescentou que a decisão teve por base critérios de crescimento económico, inclusão social e equilíbrio ambiental, sem que qualquer um deles tivesse primazia sobre os restantes.