De quantos objectos precisas para seres feliz?
Não acumulam tralha. Usam a tecnologia para guardar música, textos e imagens. Concentram-se no essencial. Eles, os minimalistas, garantem que assim podemos ser mais felizes
Há quem queira viver com cada vez menos objectos. E, assim, ser mais feliz. Ter uma vida simples, mais leve, sem acúmulos e tralha desnecessária. Para alcançar o objectivo, os adeptos do minimalismo contam com a ajuda da tecnologia. O fenómeno conquistou seguidores em vários países, incluindo Portugal. Rita Domingues é um deles. A autora do blogue The Busy Woman and the Stripy Cat procura há dois anos “destralhar” tudo à sua volta.
Tentar viver com menos coisas não é um comportamento novo. Mas a democratização do acesso à Internet e a digitalização dos bens culturais vieram atribuir ao movimento uma nova moldura. Uma biblioteca inteira pode caber dentro de um dispositivo como o Kindle, por exemplo. O vinis e os CD transformam-se em MP3. E os filmes, bem, estes são cada vez menos palpáveis na era do “streaming” e do “torrent”. Também os álbuns de fotos, os documentos e as facturas passaram a caber num disco externo.
A bióloga marinha Rita Domingues é “uma grande fã” do formato digital. “Só compro livros em papel se não houver uma versão electrónica”, conta ao P3 numa entrevista por email. “Já não compro CD, mas sim ficheiros MP3. Livros e música em formato digital permitem uma poupança de espaço significativa, além de serem mais fáceis de pesquisar e, obviamente, não acumularem pó.”
Aos 34 anos, Rita confessa que nunca foi tão feliz como agora. O bem-estar desta investigadora na Universidade do Algarve, mãe de dois filhos, não vem só do facto de possuir menos objectos. Ao tentar resistir ao impulso acumulador que governa a nossa sociedade, Rita teve mais oportunidades de concentrar-se no essencial: ter tempo para fazer aquilo de que gosta, estar com a família, cuidar de si própria.
Aprender a editar a própria vida
O percurso de Rita rumo ao minimalismo começou com a leitura dos textos de Leo Babauta, considerado um grande divulgador do minimalismo na Internet. Estava na Grécia, em trabalho, quando descobriu que queria fazer da simplificação um estilo de vida. “Quando regressei a Portugal, decidida a viver uma vida minimalista, ‘destralhei’ tudo à minha volta. A roupa, a louça, os livros, a mobília foram primeiro. Depois ataquei a tralha mental, os compromissos, as responsabilidades”, diz a bióloga, cuja experiência deu origem a dois livros digitais que podem ser descarregados gratuitamente.
Tal como Rita, dezenas de outros minimalistas promovem a simplicidade na Internet. Um dos mais famosos é Dave Bruno, um especialista em ‘marketing’ digital de San Diego que, em 2010, publicou o livro “The 100 Thing Challenge”. O desafio, que consiste em viver com menos de 100 objectos, inspirou muitas pessoas. É o caso da escritora e fotógrafa Courtney Carver, que adoptou uma versão menos drástica: viver com menos de 100 objectos pessoais (ou seja, electrodomésticos e móveis não entram na contabilidade). A experiência é narrada no site Be More With Less.
O escritor brasileiro Alex Castro adoptou uma política semelhante. Hoje todos os seus objectos cabem numa caixa, relata o jornal carioca O Globo. Mas Alex não abre mão dos seus brinquedos tecnológicos: um bom portátil, um Kindle, um telemóvel e uma máquina fotográfica digital. Há quem veja aqui uma contradição, uma vez que os “gadgets” não deixam de ser objectos de consumo rápido. E não deixam de poluir o planeta. Contudo, a verdade é que Alex se recusa a ser um guru do minimalismo. Não existem regras estanques ou polícias anti-consumo. O minimalismo parece ser entendido como uma decisão pessoal com o propósito de uma vida mais feliz. Cabe a cada um encontrar qual o melhor caminho a seguir.
Nota-se nas experiências narradas na Internet uma necessidade de valorizar o essencial. O foco naquilo que verdadeiramente importa. Também é recorrente nos discursos do minimalismo uma preocupação ambiental e o desejo de reduzir o stress quotidiano. Os objectos surgem como mais uma distracção, embora o excesso de trabalho e as obrigações sociais também sejam apresentados como tralhas intangíveis que colocam obstáculos à felicidade. Não parece haver no fenómeno regras absolutas ou caminhos obrigatórios.
Joshua Becker, autor do blogue Becoming a Minimalist, acredita que o fenómeno tem atraído muitos jovens urbanos. Isto porque é mais fácil possuir menos objectos quando não se tem filhos nem um jardim para cuidar. Pessoas solteiras que moram em apartamentos pequenos, sobretudo em grandes cidades, têm mais chances de serem bem-sucedidas no projecto de viver com menos objectos.
Como bem disse o empresário canadiano Graham Hill, é tudo uma questão de editar a vida. Seleccionar aquilo que importa, retirar espaço ao que não tem relevância. O criador do projecto Life Edited, que prega o design a serviço da sustentabilidade, diz possuir no guarda-fatos seis camisas, por exemplo. No armário da cozinha, os recipientes reduzem-se a dez taças, que usa para todos os tipos de refeições. Não tem CD e livrou-se de 90% dos livros em papel que acumulava.
O desapego material de Graham Hill é algo curioso para quem já chegou até a ter um “personal shopper”. Hill, que se tornou milionário após vender uma empresa na era da bolha da Internet, descobriu com uma namorada que os seus desejos de consumo não o faziam mais contente nem sereno. Isto porque, como Hill garante num artigo publicado este ano no “New York Times”, os objectos ocupam tanto espaço físico como mental. Daí a importância de editá-los — dar espaço ao esssencial, eliminar o acessório.