Os irresistíveis Vampire Weekend e o frenético circo rock dos Green Day

Foi o arranque do Optimus Alive. O melhor concerto da noite foi do Vampire Weekend.

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Vampire Weekend deram o melhor concerto do primeiro dia de festival Nuno Ferreira Santos
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Cerca de 150 mil pessoas passaram pelo Passeio Marítimo de Algés entre sexta-feira e domingo Nuno Ferreira Santos
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Sexta-feira, no dia de arranque do Optimus Alive, a chuva ameaçou mas não caiu (foi só orvalho) e o Passeio Marítimo de Algés encheu-se de gente para ver os Green Day, principalmente, e os Vampire Weekend, igualmente. Foram eles os dois grandes pólos de atracção, mas estiveram longe de ser os únicos. A multiplicação de nichos e de diversidade, em crescendo galopante desde que a internet modificou definitivamente a nossa relação com a música, fez-se sentir.

E isso foi bom. Que o digam aqueles que acompanharam os Edward Sharpe & The Magnetic Zeros (tudo Califórnia livre e feliz), os riffs das Deap Vally, a intensidade dos Dead Combo ou o melting pot dançante dos Crystal Fighters. Em retrospectiva, porém, a noite foi de dois americanos. Uns com mais de duas décadas de história e duas vidas para contar, os outros “acabados de chegar” há meia dúzia de anos, mas já com vida preenchida e futuro que se antevê radioso. Quantos o viram? Não sabemos. A organização não divulgou números de espectadores. É certo que não a lotação não esgotou.

Entre a moínha de chuva do Passeio Marítimo de Algés, vimos dois universos em paralelo. O rock agora clássico e sabido dos Green Day, mestres a conquistar multidões, e a pop de olhar desperto e sabedoria musical eclética, pop moderna e pessoal, logo por agora inimitável, dos Vampire Weekend.

Neste dia em que um conjunto de bravos ingleses passeou pelo recinto equipado com camisola, calções e meias do Grimbsy Town (equipa fundada em 1878 que anda actualmente pelas divisões regionais) para ouvir os Stereophonics, rock de filiação brit pop tão britânica que só no Reino Unido causam verdadeiro impacto (abriram o palco principal), ou os Two Door Cinema Club, cultores pop com muitos discos em casa e gosto pela procura da solução perfeita (que, no caso da banda, envolve pegar num gingar pós-punk, na guitarra reverbada à The Edge, no atirar sintetizadores 80s para os refrães e cobrir tudo com o filtro luminoso e radiante que faz as delícias da pubicidade); neste dia em que além dos bravos ingleses e demais (muitos) conterrâneos, assistimos à habitual deambulação de trintões com as prioridades definidas, famílias ocasionais e adolescentes eufóricos prontos a explodir de alegria com “aquela banda”; neste dia, dizíamos, vimos Billy Joe Armstrong subir a palco e não perder tempo na conquista.

A meio da primeira canção já o público se multiplicava em palmas a seu pedido, enquanto a banda atrás de si (os também fundadores Mike Dirnt, no baixo, e Tré Cool na bateria, acrescidos do guitarrista Jason White) assegurava que o ritmo e a electricidade, ingredientes fundamentais para a euforia rock, exercia o seu efeito sobre a multidão. À segunda canção, “Know your enemy”, de “21st Century Breakdown”, já o cenário frente ao palco principal do Optimus Alive era um mar de gente aos saltos e de sorrisos gerados pelo reconhecimento e pela presença: Porque, de facto, os Green Day estavam ali. Estes Green Day, a banda que viveu duas vezes.

Nos anos 1990, criaram hinos pop para a geração X dada ao punk (angustiada mas “who cares?”). Depois, quando do renascimento com “American Idiot”, em 2004, transformaram-se numa bem oleada máquina rock engrandecida pela caução do manifesto: “American Idiot” era álbum conceptual endereçado aos Estados Unidos de Bush filho. No palco do Optimus Alive, vimos os dois Green Dy na simbiose possível: o lado mais selvagem e descarnado de “Dookie” surgiu, por exemplo, com “When I come around” ou “Basket case”, mas inevitavelmente embrulhado naquilo que é hoje a banda: um animal de palco pela energia frenética de Billie Joe Armstrong, qual Freddie Mercury apunkalhado coordenando o público em coreografias, solando, pedindo que cantem com eles os refrães e gritando “let's go crazy!”.

Os Green Day são hoje banda rock clássica onde ouvimos traços dos Ramones, dos Cheap Trick, The Who, dos Queen e até se entrevê uma costela Oasis nessa “Boulevard of broken dreams” que o público cantou verso após verso, deixando Billie Joe Armstrong (“olh'ó gajo, olh'ó gajo!”, aponta um homem atrás de nós) de joelhos no chão, em vénia de agradecimento.

Num concerto prolongado por cerca de duas horas e meia, ora acelerando o ritmo para que se reunissem no mesmo saltitar os trintões fãs da primeira vida da banda e os miúdos que despertaram para ela na segunda; ora serenando, como em “Wake me up when September ends” (de “American Idiot”), para cantar a letra palavra por palavra, os Green Day mostraram que os grandes palcos são hoje o seu habitat natural.

Sabem os truques todos e executam-nos com desenvoltura por vezes exagerada: Billie Joe Armstrong enrolado numa bandeira portuguesa, um rapaz chamado a palco para tentar malabarismos com baquetas, o riff de “Highway to hell”, dos AC/DC, a anteceder “When I come around”, o incitar de uma batalha de coros entre o público à esquerda e à direita do palco e, mais para o final, uma espécie de performance com os músicos travestidos e, em “Shout”, um medley que misturou Monty Python (“Always look on the bright side of life”), The Doors (“Break on through”) e Beatles (“Hey Jude”). Quanto à performance e ao “medley”, tomámos conhecimento deles quando já os Green Day tinham abandonado há algum tempo o palco (os Vampire Weekend haviam começado entretanto), mas aquilo que assistimos foi claríssimo: os Green Day são uns hoje uns tremendamente eficientes gestores do circo rock para multidões e, de “Dookie” à trilogia “Uno”, “Dos”, “Tres” editada no final de 2012, têm matéria prima suficiente para que o público acompanhe com o prazer do reconhecimento a festarola (o título da digressão, “99 Revolutions”, é só para enganar).  

Ainda os Green Day faziam a festa e, no outro extremo do recinto, o palco Heineken transbordava. Aguardavam-se os Vampire Weekend. “Modern Vampires Of the City” confirmou-os como um dos prodígios pop dos nossos tempos, uma banda que se criou como súmula inspirada das referências mais diversas (guitarras com sabor a África, pop como gentileza de lírica tocante, rock anti-rock, à semelhança dos Talking Heads) para inventar uma linguagem indiscutivelmente sua. Com o palco decorado com motivos florais e espelho de moldura antiga, ou seja, qual parede de casa “retro”, os Vampire Weekend foram a banda certa no momento certo – o presente passa, indiscutivelmente, por aqui.

Tão aprumados quanto aprumadas são as suas canções, não fizeram a festa para o público. Fizeram a festa com o público, genuinamente surpreendidos com toda aquela gente que ora saltitava com a ginga de “A-Punk”, ora dançava o rock'n'roll virado do avesso de “Diane Young”, ora acompanhava a dolência melancólica dessa etérea, belíssima, “Step”. Não são uma banda que se reinvente em palco. Na maior parte do alinhamento, reproduzem as canções tal como as conhecemos - mosaicos complexos que montam como se de a maior simplicidade pop se tratasse (“it feels so unnatural, Peter Gabriel too”, cantam em “Cape Cod Kwassa Kwassa). Interessa neles o impacto emocional que significa ver “Vampire Weekend”, “Contra” e “Modern Vampires Of the City” transportados para palco e interpretados sem mácula.

No final, em “Walcott”, muitos já não olham o palco. Guiados pela música, parecem longe daquela tenda onde, na hora anterior, dançaram, ouviram, aplaudiram. Os Vampire Weekend transportaram-nos para outro lugar (é esse o segredo dos grandes). “Don't you wanna get out of Cape Cod? Out of Cape Cod tonight?”, canta Ezra Koenig e canta o rapaz ao nosso lado à rapariga com quem dança. Não interessa onde é Cape Cod. Fomos com os Vampire Weekend. Foi o melhor concerto do primeiro dia de Optimus Alive 

Antes deles, tinha passado pelo mesmo palco a festa comunal, misto de folk, gospel e country, dos Edward Sharpe & The Magnetic Zeros, celebração beatífica com sabem-se lá quantas pessoas em palco e uns milhares de braços no ar e, ao final da tarde, uma banda chamada Deap Vally que é parte White Stripes, parte festim hard-rock, parte ruído alucinado. São um duo americano formado por uma guitarrista e baterista endiabradas que inverte os clichés do rock'n'roll no masculino sem rasgo que as distinga (a música está demasiado colada às referências), mas com entrega total e graça inequívoca (Robert Plant usava calças mais justas do que era humanamente possível, exibia o tronco nu e gritava “squeeze my lemon”; a guitarrista e vocalista Lindsey Troy veste uns calções tão curtos quanto imaginável e pede que lhe atirem roupa interior para o palco).

Ainda os Vampire Weekend descontraíam nos bastidores e os Dead Combo de Tó Trips e Pedro Gonçalves, muitíssimo bem armados com a bateria de Alexandre Frazão, venciam o ruído das tendas à esquerda. Aquilo que é subtileza exigindo silêncio transformou-se em intensidade, no sentido rock do termo, e “Cachupa” fez-se África explodindo em ritmo, “Old rock'n'roll radio” fez jus ao nome com swing feroz e “Temptation”, a versão de Tom Waits que já lhes pertence, chegou com o sopro divertido do kazoo. As rosas sobre o material de palco e os grandes e antigos altifalantes foram os de sempre. Os decibéis das guitarras aumentaram para a ocasião. As fotos projectadas em fundo, o contrabaixo e a cartola. A bateria. Aquela alma flamejante de sempre.

Horas depois, quando o primeiro dia caminhava rapidamente para o seu final, Steve Aoki derramava azeite mediterrânico de Ibiza sobre a multidão resistente no palco principal e os Crystal Fighters faziam a festa com cowbell no outro extremo do recinto. Marky Ramone e Andrew WK, substitutos dos cancelados Death From Above 1979, estavam programados para as 3 da manhã.

Sábado recomeça tudo outra vez. Com Depeche Mode, Jurassic 5, Jamie Lidell, Rhye, Legendary Tigerman, Capitão Fausto ou Editors.
 
 
 
 
 

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