Austeridade abala confiança nas instituições, alertam politólogos

Não há uma crise de regime instalada, mas há sinais “preocupantes”, afirmam Ana Maria Belchior, Pedro Magalhães e André Freire.

Os especialistas em ciência política falaram ao PÚBLICO no contexto da conferência “Crise Económica, Políticas de Austeridade e Representação Política”, que decorreu segunda e terça-feira no auditório do Edifício Novo na Assembleia da República.

Uma democracia supõe um “país soberano”, afirmou Pedro Magalhães, e com as políticas de austeridade, o “exercício do poder democrático” e a “vontade das pessoas” estão “condicionados”, verificando-se por isso um “problema de soberania”, aludindo ao Programa de Ajustamento Económico e Financeiro.

O politólogo do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS – UL) explicou que a crise que se verifica é “política, de convivência dos dois partidos da coligação” e não de regime.

Num contexto em que “por razões de natureza económica e financeira, e também por opções de natureza política” há “políticas sociais” alvo de intervenção, é “natural” que se verifiquem “sentimentos de frustração e de dúvida dos próprios eleitores sobre aquilo que eles entendem que é uma democracia”, esclareceu o investigador.

Relativamente à natureza da crise, também Ana Maria Belchior e André Freire concordaram que a crise que se verifica é política, e que não está “propriamente em causa o valor que é a democracia”, apesar de existirem “sinais de crise de regime”.

A especialista em ciência política no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa (CIES - IUL) vincou que a crise está relacionada com uma “performance do Governo” e que há nomeadamente um “impacto muito grande em termos de instituições”. O Presidente da República foi o “elemento político que mais sofreu em termos de confiança” nos últimos anos, realçou Ana Maria Belchior.

A investigadora elucidou que não existe uma grande alteração de tendências com a crise. Num estudo sobre entendimento dos eleitores sobre a democracia em Portugal antes e depois da crise, que realizou em conjunto com Conceição Pequito e Emmanouil Tsatsanis, todos do CIES-IUL, já em 2008 “mais de 50%” dos inquiridos nos estudos, em conjunto com , eram “favoráveis a ter um líder político forte” e que “concentrasse o poder em si mesmo”.

Os estudos demonstram que a crise económica aumentou estas tendências centralistas no apoio à forma de Governo.  Uma ligeira, mas notável, “aceitação de um regime tecnocrático” é uma conclusão comum a André Freire, que refere um crescente “apoio a um Governo de especialistas e não de políticos”.

“Há uma relação entre austeridade e os sinais de crise de regime”, discordou Freire, também ele do CIES – IUL, entidade organizadora da conferência. Esses sinais incluem o “grande declínio da confiança dos cidadãos no sistema político e nas instituições”, assim como a redução da “satisfação com o funcionamento da democracia”, recuo que, acrescentou o professor de ciência política, é “extensível” ao “apoio à Europa”.

Este estado de espírito é resultado, segundo André Freire, de “sucessivas violações de compromissos eleitorais”, um “efeito indirecto no comportamento dos agentes políticos” derivado do “prolongamento de políticas de austeridade”. Tudo isto, concluiu, resulta numa “erosão” do apoio à democracia. 

Sugerir correcção
Comentar