Paco y Manolo: fotografar a sexualidade é “fazer política”

São os fotógrafos oficiais do Primavera e os criadores da revista erótica e gay "Kink". Fotografam modelos nus e estão fartos de terem de se justificar. Apresentam pela primeira vez os seus trabalhos na exposição "These Days", no Porto

Sin título #3 (Memento Mori) Paco y Manolo
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Sin título #3 (Memento Mori) Paco y Manolo
Manolo e Paco ou Paco y Manolo DR
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Manolo e Paco ou Paco y Manolo DR
These Days está em exibição na Galeria Mundano, no Porto, até 15 de Julho
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These Days está em exibição na Galeria Mundano, no Porto, até 15 de Julho

Duas cabeças, quatro mãos, uma câmara. Duas cabeças, que são uma, quatro mãos, que agem como duas, uma câmara que é um espelho do que vai lá dentro. Os catalães Paco e Manolo são "siameses" — por isso, assinam Paco y Manolo. Completam as frases um do outro, adivinham pensamentos e conversas para espanto de quem os escuta. Para eles, a fotografia, como a vida, é a dois — ou não estivessem juntos há 24 anos. Fotógrafos oficiais do Primavera Sound (é deles o livro comemorativo dos dez anos do festival), já viram o seu trabalho na "Rolling Stone", "El País" ou "RockDeLux". Há sete anos, fundaram a Kink Ediciones e alvoroçaram o universo queer com publicações eróticas como a popular "Kink", já no 18.º número, que chegou à Tate Modern e à francesa Colette, e a aventura "Marikink". Para estes projectos, fotografam modelos nus, principalmente homens — e estão fartos de terem de se justificar. "Não existe homossexualidade ali, mas sim política", dizem ao P3, numa passagem pelo Porto para a inauguração de "These Days", exposição patente até 15 de Julho na Galeria Mundano, no Porto, que, em colaboração com a Little Everyday Pleasures, apresenta as polaroids de "Forgotten Dreams", a série "Friends of Mine" e 14 fotografias feitas pela dupla nos últimos dois anos.

Dizem na sinopse de “These Days” que começaram a fotografar porque queriam fazer um diário da vossa vida real e imaginada. É assim que vêem a fotografia?

Manolo (M): É um pouco de tudo. Para mim, e eu tenho uma memória horrorosa...

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Antony e Cat Power Paco y Manolo

Paco (P): Como a Dory, do “Nemo”… (risos)

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Kink Paco y Manolo

M: … é também um suporte de memória.

P: Não somos nada Cartier-Bresson de procurar o instante. Aliás, dizemos que não somos fotógrafos porque não procuramos uma luz, uma técnica.

Como é trabalhar no Primavera Sound?

Mesmo na última série? Estas imagens parecem mais pensadas: a luz, o jogo de contrastes…

O momento em que fotografaram o ídolo Jarvis Cocker

M: Estas fotos estão mais trabalhadas…

Como deixaram de estar no lugar 74 da lista de cem melhores fotógrafos da história da da PHotoEspaña

P: Estão mais influenciadas.

Paco y Manolo falam de Memento Mori, projecto que decorreu em 2010 em Maiorca e que foi publicado em livro em 2012

M: Mais obscuras. Também porque estamos com 45 anos, a metade da vida. E estamos a ver tudo de forma diferente.

Mais contemplativa?

M: Estamos mais virados para dentro.

P: Mais maduros, mais sóbrios.

M: E a dois. Tudo o que fazemos é a dois. Toda a nossa vida é a dois. Por isso, tudo o que passamos, passamos os dois, cada qual da mesma maneira. Estamos os dois a olhar para o intestino. (Risos)

P: Estamos juntos há 24 anos. Começamos a namorar com 20 anos. Somos…

P/M:... siameses. (Risos)

Há elementos recorrentes no vosso trabalho: os retratos e a sexualidade, com excepção do Primavera Sound.

M: Sempre quisemos trabalhar com pessoas. Eu preciso de uma pessoa à frente. E tu também. Aprendi isto contigo.

P: Pois. (Risos)

Aprendeste com ele?

M: Quando o Paco estudava, pediam-lhe fotografias de árvores e ele entregava retratos.

P: Eu pensava: não quero fazer isto. Não quero perder tempo em fazer uma coisa que não me interessa. Não me interessa a técnica.

M: E acho que a sexualidade também tem a ver com os retratos.

Começaram por fotografar amigos.

P: Sim. Transexuais, por exemplo.

M: E continuamos a fotografar amigos.

P: Recebemos muitos contactos de pessoas que querem que as fotografemos. Agora só temos a "Kink" como projecto. Tínhamos a "Marikink" com mulheres. Queríamos publicá-las à vez. Muitas amigas nossas disseram-nos que era má ideia. Umas diziam que não queriam ver a namorada nua numa revista, que para isso compravam a Playboy. Outras até estavam de acordo. Sempre pensei que venderíamos muito mais a "Marikink" do que a "Kink". E há muitas raparigas que nos contactam para as fotografarmos. Mas agora não podemos.

M: Não recuperamos o dinheiro. Eram 1500 cópias.

P: Temos 300, 400 ainda.

As mulheres não consomem pornografia?

P: Esse é o problema. Nós não consideramos que fazemos pornografia. Não considero que a "Marikink" ou a "Kink" sejam revista pornográficas. 

Em entrevista à “El Sombrario”, disseram que querem “recuperar o tempo perdido” e, por isso, optam por fotografar “o que realmente teriam gostado de viver”: uma "sexualidade menos confusa". O que quer isto dizer?

M: Tal como o mundo está, isto hoje não te preocupa: ser gay, crescer gay. Mas a nós preocupava.

P: Conhecemo-nos num bar de lésbicas em Barcelona, em que para entrares tinhas de tocar à campainha. Muitas vezes estávamos lá dentro e não podíamos sair porque estavam pessoas à porta à espera que saíssemos. Tínhamos de chamar a polícia. Tivemos de meter-nos em guetos, tocar à porta, como uma ave rara. Hoje podemos andar de mão dada. Nunca vamos deixar de fazer tudo o que fazemos — estamos num momento de muita liberdade.

É a vossa forma de activismo?

M: De alguma maneira, sim. Há muita gente que o nega. Dizem-me que a "Kink" é uma revista de nus. Eu acho que sempre que trabalhas com sexualidade, ainda para mais a homossexualidade, estás a fazer política. Ou seja, não existe homossexualidade ali, mas sim política. É um posicionamento tremendo. Pela "Kink", somente pela revista, estaríamos mortos em meio mundo. Por isso, ao fazer o que estamos a fazer, estamos a fazer política e da forte. Muita gente nunca o entenderá.

P: E nunca pensamos "vamos fazer uma revista gay". Quando começámos a fazê-la, muita gente começou a ver-nos como dentro do mundo gay. Nós não queremos estar dentro do mundo gay. Queremos estar dentro do mundo. Essa é a diferença. Queremos que a revista se venda onde se vende. Vende-se na Tate e numa tenda gay e lésbica pequena de qualquer sítio. Queremos que isso seja uma coisa normal. Não queremos: "é gay, então tem de se vender em sitios gay". Não. Não queremos mais guetos.

M: Estamos um bocado fartos de nos justificar-nos pelo tipo de trabalho que fazemos. Aquela fotógrafa que fotografa os bebés [Anne Geddes]: ninguém lhe pede para se justificar pelo seu trabalho. E parece-me um trabalho horroroso. Porquê que temos de nos justificar? Porque fazemos nus? Porque são homens?

A sexualidade é desconfortável?

P: O que nos dizem algumas vezes é "ai que sorte que vocês têm em ver tantos homens nus!" (Risos)

M: O problema é quando trabalhamos com...

P: … com a censura. Sim, já fomos censurados, mas é porque as pessoas têm uma moral cristã em relação à nudez e à sexualidade. Pedem-nos: "Podem fazer este trabalho? Mas não sejam muito vocês próprios." Bem… então pede a outro!

Espanha ainda é muito religiosa?

M: Há de tudo. Mas o que se passa é que o poder é católico. A diferença entre o poder e as pessoas é tremenda.

P: Mesmo nós também tínhamos essa moral cristã, a princípio. Pensávamos: “Que pensarão? Que dirão?”

M: A primeira vez que fizemos nus com gente com não conhecíamos foi com “Common People”. E na primeira sessão de fotos não éramos capazes de dizer "tira a roupa". Quando começámos a trabalhar nisto, perdemos todo o trabalho. Vivíamos das publicações e agora não. Agora vivemos de exposições e dos nossos trabalhos pessoais.

Dizem algumas vezes que não são fotógrafos, mas sim retratistas. Qual é a diferença?

P: Só fazemos retratos. Somos talibãs nesse sentido.

M: Mais do que talibãs, somos dogmáticos.

P: É melhor dogmático que talibã. (Risos).

M: Somos dogmáticos no sentido que sempre trabalhamos com regras muito restritas.

P: Nós vimos de Belas-Artes que é diferente de vir de uma escola de fotografia. Quando nos dizem "eu tenho a câmara tal", eu penso "não sei que câmara é, nem me interessa". Nós os dois só temos uma câmara, uma Nikon d300. Quando se estraga, compramos outra. Não fazemos as fotos com a câmara. Fazemos a foto com a cabeça.

Como é fotografar a dois?

P: Antes trabalhávamos com tripé e andávamos os dois a mover-nos em redor. Agora, mais do que a câmara, vemos o espaço. Vemos a luz para saber onde colocar o modelo.

M: Depois, vamos trocando a câmara. Ora dispara ele, ora disparo eu. Não há diferenciação. Somos siameses.

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