Somos ávidos adoradores de imagens. Rodeamo-nos delas. Perante a mais mínima ameaça do efémero, de que um instante se desvaneça para sempre e seja condenado ao esquecimento fazemos tudo para o capturar. Criamos mais imagens. Vivemos de imagens. Imagens que nos dizem algo, que estabelecem connosco o mais estranho e íntimo diálogo, que nos sussurram os mais escusos segredos, que nos revelam o que pensávamos desconhecer. Vivemos para as imagens porque nos resgatam do olvido. Exercem sobre nós um imenso fascínio, consomem-nos, levam-nos a pensar que tudo é possível.
Somos um reflexo das imagens e o contrário é igualmente verdade. Gostamos de as ter constantemente à nossa volta. Essenciais para compensar a fragilidade humana, dão-nos fôlego, fortalecem-nos na virtude e expõem-nos no erro, condenam-nos na barbárie e justificam-nos nos actos nobres. Dizem-nos que somos magníficos, ignóbeis, belos, hediondos. E não nos podemos desfazer delas.
E há os caçadores de imagens que optam por persegui-las. Resignam-se, são conscientes de que viver sem elas seria impossível. E como artesões dedicam-se a colocar com parcimónia pequeninas pedras nesse vasto, irremediavelmente diverso e inexorável mosaico que é a memória colectiva. Um coleccionador de fotografias procura arrecadar instantes, viajar no tempo, mergulhar na história dos outros, talvez chegar a entender os lugares que lhe são longínquos e estrangeiros. Ou simplesmente coleccionar o mundo.
Movido por este propósito, o reconhecido comissário de exposições Rafael Doctor Roncero instalou durante três semanas o seu gabinete no Museu Lázaro Galdiano, em Madrid, numa mostra intitulada "Taxonomia do Caos", inserida na PHotoEspaña 2013. Com ele trouxe uma ínfima parte, já por si impressionante, da sua vasta colecção de fotografias que reuniu ao longo de 25 anos.
Uma mostra diferente e arrojada. Um convite a entrar no gabinete do coleccionador e a apreciar verdadeiras jóias, como ferrótipos, daguerreótipos, ambrótipos e impressões em carbono. Imagens desordenadas, em passe-partous, em prateleiras, encostadas à parede, em cima de mesas.
A evolução da representação do corpo humano através da fotografia, desde a sua infância até aos dias de hoje. Os mestres do século XIX, como Disneri, Nadar, Clifford em diálogo com Bernard Plossu e David Hilliard. O caos e uma classificação possível: o corpo da infância, o idealizado, o desejado, o doente, o morto, o do outro e o corpo do espanhol. Um convite a manusear, a vasculhar caixas e caixas repletas de imagens do passado.
Fotos de autores anónimos, olhares desconhecidos que encerram histórias sem fim. A alegria breve de dois soldados nas trincheiras, um casal sorumbático oprimido por uma faustosa indumentária, umas férias à beira do lago, o corpo hirto de um defunto. Irremediavelmente adoradores de imagens, envoltos nelas, sentimo-nos em casa.