“O povo brasileiro não está acomodado, mas incomodado”

Clarissa Cogo está entre os milhares de jovens que têm estado em protesto no Brasil. Não sabe qual o rumo das manifestações. Para esta brasileira, elas já são uma vitória do povo.

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Cartaz pendurado no Rio de Janeiro Pilar Olivares/Reuters

Clarissa, licenciada em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, não está a escrever para nenhum jornal brasileiro sobre o que se tem passado nas ruas do Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília ou Belo Horizonte. Mas isso não impede que faça análises das manifestações e que estas sejam publicadas. Para tal usa o Facebook.

É uma jovem que quer sublinhar a importância do “descontentamento generalizado do brasileiro” e que as reivindicações apresentadas “demonstram um reposicionamento da população brasileira, o que, com toda certeza, pegou os políticos do país de surpresa”.

“Nunca o Brasil foi tão visto mundialmente. Há uma semana estamos saindo nas principais capas de jornais e sites de notícia do mundo”, sublinha num email enviado ao PÚBLICO a partir da sua cidade natal, Rio de Janeiro, onde também trabalha em comunicação empresarial.

Clarissa, que vive em Niterói, está entre os milhares de brasileiros que responderam aos apelos espontâneos nas redes sociais para a realização de protestos contra o aumento das tarifas nos transportes públicos e o que classificam como o “uso abusivo” de dinheiro público para eventos como a Taça das Confederações, o Mundial de 2014 e os Jogos Olímpicos 2016 no Rio.

Muito mais do que um bilhete de autocarro
Clarissa alerta, no entanto, que não se pode reduzir o descontentamento visível nas ruas a essas questões. “A onda de manifestações que se iniciou em São Paulo não teve como causa o aumento de 20 centavos na passagem [bilhete]. Este foi apenas o estopim [início]”, defende.

“O mundo sabe que a carga tributária no Brasil é uma das maiores, que o país é riquíssimo em recursos naturais, mas todos também conhecem as posições atrasadas do país em rankings de distribuição de renda e desigualdade social”, aponta. Clarissa denuncia uma realidade em que “a população paga altos impostos e o retorno são leis arbitrárias”, os hospitais públicos são “ruins”, as escolas “fracas”, com um “ensino básico que não valoriza os professores”, a segurança pública é “frágil”, o “transporte público de má qualidade” e o “trânsito caótico nos grandes centros urbanos”.

A isto Clarissa acrescenta a corrupção e “alianças políticas que são formadas para atender anseios de qualquer pessoa, menos dos eleitores”. Por isso, não tem dúvidas em afirmar que “o aumento da tarifa e o consequente descontentamento da população com o serviço prestado pelo transporte público, aliados à postura dos governantes de não dialogar com a população foram determinantes para que todos saíssem às ruas”.

Participar nestas manifestação é obrigatório para Clarissa, que tem estado nas que se realizam no Rio. Apesar de admitir que “ainda não se sabe" as consequências dessas manifestações, sustenta que é “importante observar o simbolismo que elas estão tendo para o país e seu povo”.

“Este é um movimento pacífico”
Esclarece que não está integrada em nenhum movimento e que não segue as linhas de nenhum partido político, uma fórmula que parece partilhar com muitos dos que têm alimentado manifestações no Brasil. “Até agora, o que vemos é um movimento nacional apartidário e movimentado maioritariamente pelas redes sociais.”

Num dos textos mais recentes que publicou no Facebook, Clarissa fala na violência que tem sido registada em alguns protestos, algo com que não se identifica. E deixa críticas à cobertura jornalística inicial que deu destaque a estes casos.

“A verdade é que fiquei muito mais triste de ver as lojas que foram quebradas, invadidas. Tenho foto de tudo, mas eu não vou compartilhar, porque não quero fazer o mesmo que a grande imprensa: destruir a imagem e o simbolismo daquela passeata de ontem [17 de Junho]”. Ao PÚBLICO sublinha que não se pode esconder que “alguns episódios de violência ocorreram sim em algumas manifestações”, mas considera que “está claro para toda a sociedade, e, inclusive, para políticos, tratar-se de um movimento pacífico”.

Clarissa recorre às palavras de Dilma Rousseff para reforçar este argumento, lembrando que numa recente declaração a Presidente brasileira deu “apoio à livre manifestação da população”, nada que surpreenda a jovem, “porque pelo histórico de lutas dela [Rousseff], inadmissível seria repreender o que tem acontecido no país”.

Questionámos Clarissa sobre se a demissão da Presidente, como tem sido defendido por alguns brasileiros, seria um dos passos para resolver os problemas do país. A jovem não tem essa posição e rejeita que também esse tenha sido um dos motivos das manifestações. “O movimento não começou com esse propósito e sabemos que muitas das reivindicações passam por instâncias políticas que estão abaixo da presidenta. Muitos que são favoráveis à saída não devem ter parado para reflectir sobre as consequências que isso poderia gerar.”

Manifestação em dia de jogo da selecção
Seja qual for o caminho que os protestos venham a assumir e mesmo que acabassem hoje, Clarissa afirma que as “manifestações já são vitoriosas” e os últimos dias “mostraram que o povo brasileiro não está acomodado, mas sim incomodado”. Exemplo disso, diz a jovem, é que, em pleno dia de jogo da selecção nacional de futebol, “existem grupos em várias cidades que não estão indo se reunir para assistir ao jogo, mas para se manifestar e lutar por direitos”.

Para ela, o momento em que os brasileiros decidiram vir para as ruas “não poderia ser melhor”, em plena preparação para duas grandes competições de futebol e os Jogos Olímpicos. “A população está começando a observar que os retornos que virão desses dois grandes eventos, que estão levando bilhões de reais, não serão grandes para a própria população.”
 
 

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