Será que "tudo vai acabar em pizza"?

Hoje é justamente esta a pergunta que está na cabeça dos brasileiros - “Será que tudo vai acabar em pizza?” - depois do recuo dos municípios no aumento dos transportes e no dia em que os jovens prometem levar às ruas mais de um milhão de pessoas em todo o país.

O movimento, que está a surpreender os políticos, os media e analistas, tem algumas características únicas. Não tem uma liderança. É pulverizado e contamina (no bom sentido). É apartidário. Quando bandeiras de partidos aparecem no meio dos protestos, os manifestantes pedem que as retirem. Não tem uma reivindicação única. A esta altura, os vinte cêntimos do aumento de transportes não são claramente a razão que leva os milhares de manifestantes às ruas. O objectivo não é derrubar o Governo. É pacífico, apesar de a imprensa mostrar os actos de violência. São isolados. É um movimento que nasceu em rede, nas redes sociais, de uma geração que não conhece o mundo sem Internet. E não precisa da mediação de políticos nem jornalistas. Fazem as próprias transmissões em streaming em directo pela Internet (na pós TV).

Há muitas reivindicações nas ruas: contra a corrupção, os serviços precários de saúde, educação e transportes, a inflação, o alto custo de vida, o investimento para fazer o Mundial e os Jogos Olímpicos. Mas há ainda, entre os cartazes dos manifestantes, os contra a PEC 37 - pouco ou nada divulgado em Portugal.

A PEC 37 é uma proposta de emenda constitucional ao artigo 37 que retira o poder de investigação do Ministério Público. Entre 2010 e 2013, o Ministério Público foi responsável por 15 mil acções penais, entre elas, as de corrupção que envolvem políticos e a polícia; casos mediáticos como o Mensalão (que envolveu membros do Governo Lula) ou o de Paulo Maluf, antigo governador e presidente da câmara de São Paulo. A votação da proposta que estava marcada para o início da semana que vem foi, nesta quarta-feira à noite, adiada a pedido do Governo com receio de que aumentasse ainda mais a indignação nas ruas.

No país do futebol é inédito que, em dia de jogo da selecção, o povo vá para a rua protestar contra estádios caríssimos. Os jovens mostram uma lucidez ímpar como vimos no depoimento ao PÚBLICO da jovem Clarissa Cogo, de 24 anos - os protestos “não vão mudar o país para a semana que vem, nem para as próximas eleições e, talvez, nem para os próximos dez anos”. Mas “talvez clarifiquem na mente da população brasileira o quanto ela é excluída do sistema”.

Estou há 15 anos longe do Brasil e hoje, confesso, despertei a pensar em pizzas. Na brasileira e nas da Praça Taksim que em comum têm a frustração de uma nova classe média que surge nestes países de economias emergentes e que não está a ser atendida nas suas elevadíssimas aspirações e sonhos. Contra os pessimistas que acham que um movimento sem partido, sem liderança única, jovem, pulverizado, que nasceu na Internet, não tem pernas para andar, prefiro acreditar nas palavras da Clarissa e numa geração que é diferente de nós, mas que talvez encontre um caminho para que nem “tudo acabe em pizza”.
 
 
 
 
 
 
 
 

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