O diário da viagem de Vasco da Gama à Índia inscrito na lista da Memória do Mundo

A UNESCO destaca a importância que a viagem do navegador português teve no desencadear de “uma série de acontecimentos que viriam a transformar o mundo”.

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A autoria do documento é atribuída ao cronista Álvaro Velho DR

Este documento relevante da História dos Descobrimentos, actualmente propriedade da Biblioteca Pública Municipal do Porto (BPMP), fazia parte do conjunto de 84 pedidos de inscrição enviados à reunião que o comité da UNESCO está a realizar na cidade de Gwangju, na Coreia do Sul – simultaneamente, no Camboja, o Comité do Património Mundial da UNESCO tem sobre a mesa outro pedido português: a classificação da Universidade de Coimbra.

O diário da descoberta do caminho marítimo para a Índia foi um dos 54 documentos e testemunhos históricos agora classificados. Sobre ele, a UNESCO diz tratar-se de “um testemunho verdadeiro da forma como Vasco da Gama, à frente da sua frota, descobriu a rota marítima para a Índia”. E acrescenta que esta foi uma aventura “sem precedentes” e “um momento determinante que mudou o curso da História”. “Além de constituir uma das maiores explorações marítimas realizadas, à época, pelos europeus, a viagem de Vasco da Gama originou “uma série de acontecimentos que viriam a transformar o mundo”.

A directora da BPMP, Carla Fonseca, manifestou o “grande orgulho” – “nosso e de todos os portuenses e portugueses” – proporcionado pela classificação, que considera “muito merecida”. É o sexto documento português a entrar na lista e vai figurar ao lado da Carta de Pêro Vaz de Caminha.

Lembra que a candidatura foi uma iniciativa do presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, e da sua vereadora do pelouro do Conhecimento e Coesão Social, Guilhermina Rego, e que foi lançada no ano passado num processo moroso. E Carla Fonseca compara mesmo a classificação do diário da viagem de Vasco da Gama à do Porto Património da Humanidade.

“Trata-se de um dos poucos documentos sobre a viagem de Vasco da Gama que sobreviveram a calamidades e incúria e está conservado na Biblioteca Municipal do Porto”, diz Francisco Bethencourt, historiador do Departamento de História do King's College de Londres e especialista em História da Expansão, numa resposta enviada por email. “É impossível reconstituir a viagem sem este relato, cópia da época, escrito por um dos participantes, muito provavelmente Álvaro Velho.”

Para Bethencourt, que fez um relatório para a candidatura – que foi também recomendada por José Marques, professor de História jubilado da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e por Jorge Flores, do Instituto Universitário Europeu de Florença –, a classificação da UNESCO sublinha “o carácter único deste relato sobre o momento decisivo de abertura das relações marítimas entre a Europa e a Ásia protagonizado pelos portugueses”. Já as interpretações sobre as consequências da viagem divergem – “desencravamento do mundo ou abertura da 'caixa de Pandora' dos males do colonialismo"  –, “mas o papel mediador dos portugueses entre a Ásia e a Europa, o Índico e o Atlântico e mesmo entre o Índico e o Pacífico é indiscutível”.

José Marques manifestou também ao PÚBLICO a sua satisfação pela decisão da UNESCO. “É uma excelente notícia para Portugal e para a difusão da nossa presença no mundo, e que vem lembrar – como a UNESCO, aliás, refere – que a viagem de Vasco da Gama deu novos mundos ao mundo”.

Este professor e historiador considera ainda que a classificação “ajuda a levantar um bocadinho o moral dos portugueses nestes tempos de crise que estamos a viver”. José Marques realça, por outro lado, que esta é uma obra também “muito interessante como objecto”. Uma peça que os interessados poderão admirar através do fac-simile disponibilizado nos sites tanto da BPMP como da Faculdade de Letras da Universidade do Porto – onde pode ser consultada on line na colecção Gâmica da Biblioteca Digital, acrescentada de uma leitura crítica do próprio José Marques.

Uma réplica do diário esteve exposto, em 2008, na Biblioteca do Barreiro – terra natal do cronista Álvaro Velho, e integra actualmente a exposição Da África, da América e da Ásia, patente na BPMP, que mostra outros livros de viagens e testemunhos das conquistas e colonização portuguesa em territórios destes três continentes.

Tanto o diário da viagem de Vasco da Gama como muitas das publicações agora expostas no Porto chegaram aos fundos da BPMP por decisão do rei D. Pedro IV e pela mão de Alexandre Herculano, vindos do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, em 1834, na sequência da lei do ministro Joaquim António de Aguiar que decretou a extinção das ordens religiosas, conventos e mosteiros e a secularização dos seus bens.

Entre a lista dos 54 novos ítems da Memória do Mundo, que no total passa a ter 299 entradas, encontram-se os documentos que testemunham a viagem que o segundo imperador do Brasil, Pedro II (1825-1891), fez no seu país e a outros de quatro continentes diferentes durante o seu reinado. Também pedido pelo Brasil, foram classificados os arquivos de arquitectura de Oscar Niemeyer, o famoso arquitecto de Brasília falecido em Dezembro do ano passado, aos 104 anos.

Os registos audiovisuais compilados pelo documentarista e foto-jornalista Max Stahl relativos ao nascimento de Timor-Leste como país independente estão igualmente na lista da Memória do Mundo; o mesmo acontecendo com os manuscritos das obras históricas de Karl Marx, Manifesto do Partido Comunista e O Capital, e com a colecção de documentos relativos à vida de Ernesto Che Guevara, incluindo o seu diário de guerrilheiro na Bolívia.

 
 
 
 

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