Pedro Marques Alves tem uma proposta para a cidade de Setúbal: pintar, no chão, os limites históricos das antigas muralhas. O arquitecto setubalense, de 31 anos, apresenta o seu projecto como "uma oportunidade barata e exequível para alterar a forma como as pessoas lêem a cidade". E espera que o percurso criado possa dinamizar o turismo e o comércio local. Mas esta não é a única ideia que em Setúbal faz caminho para reabilitar antigas estruturas defensivas da cidade.
A mulher de Marques Alves, a advogada Dalila Simões, de 37 anos, ajudou-o "com as palavras" e a "organizar as ideias". Juntos decidiram apresentar uma candidatura à iniciativa camarária Setúbal Mais Bonita, um programa em que milhares de voluntários pintam e requalificam áreas degradadas da cidade, com materiais doados por mecenas.
O arquitecto elogia o Setúbal Mais Bonita, considerando que a iniciativa "tem o dom de alterar a qualidade de vida urbana de um espaço, pelo menos visualmente, a um valor muito baixo e com apoio de voluntários". Daí à ideia de tornar visíveis as muralhas foi um passo. O casal ainda guarda o recibo da candidatura, mas o programa deste ano ignorou a proposta. "O projecto, no entanto, não perdeu o interesse, pelo que esperamos agora que a câmara, ou outras entidades da cidade, o possam levar por diante", observa Pedro Marques Alves.
O arquitecto acredita que marcar as muralhas no chão pode colocar Setúbal no mapa deste tipo de atracção turística a nível europeu. "Podemos criar roteiros de visita, com placas explicativas em certos locais, incrementando o comércio local, pois haverá mais sítios como atracção turística na cidade", explica.
Na Europa, existem outros exemplos de marcas no chão que se tornaram famosas. Junto ao Observatório de Greenwich, no Reino Unido, está marcada um linha que representa o histórico meridiano zero. Em Berlim, um traçado no chão denuncia o Muro. Em Aix-en-Provence, no Sul de França, é possível fazer um circuito pedestre dedicado ao pintor Paul Cézanne, seguindo placas marcadas com um "C" no piso das ruas da cidade.
Interesse público
As muralhas, as torres, as portas, as cortinas e os baluartes do centro histórico de Setúbal, resultado de uma grande obra de fortificação levada a cabo no século XVII, durante as Guerras da Restauração da Independência, para reforçar as defesas medievais, foram classificados como monumento de interesse público em Novembro passado. Os vestígios estendem-se pelas quatro freguesias mais antigas da cidade.
Mas grande parte deste património é invisível. Ao contrário de outras localidades fortificadas, como Elvas, Almeida (Guarda) ou Valença do Minho, que conservam grande parte do seu perímetro muralhado intacto, com o seu traçado perfeitamente visível em terra e através de imagens de satélite, as muralhas de Setúbal desapareceram do mapa, restando apenas alguns vestígios.
O arqueólogo Carlos Tavares da Silva lembra que há partes da muralha medieval "escondidas" sob o reboco. "A ideia de muralhas de pedra sob pedra faz parte do imaginário da população e dos turistas, embora as muralhas fossem originalmente rebocadas. Se tirassem o reboco à torre medieval quadrangular na Avenida de 22 de Dezembro, ela ficaria visível", exemplifica.
Dos baluartes sobreviventes aos terramotos e à urbanização, a recuperação tem andado a passo de caracol. A maior parte das estruturas está abandonadas, cortada por ruas ou enclausurada entre prédios. Algumas servem mesmo de fundações de casas. No Quartel do 11 — antigo baluarte da Conceição —, funciona, desde Março, uma escola de hotelaria. A câmara local comprou o edifício e o Turismo de Portugal pagou as obras de adaptação.
Para o baluarte de Santo Amaro, imóvel privado localizado numa zona com vista sobre a cidade, está previsto "um equipamento destinado a residência sénior, com apoio médico e social, na zona da encosta baixa", nas palavras do arquitecto Alexandre Berardo, responsável pelo projecto. "Estamos à espera que a Câmara de Setúbal altere o Plano Director Municipal para podermos avançar para a valorização deste património, actualmente uma estrutura esquecida pela cidade", conta.
O projecto prevê ainda a constituição de um núcleo museológico que permita ver o interior da estrutura das paredes e a descrição do sistema construtivo e materiais utilizados. Há a ideia de poder referenciar, a partir do baluarte, na paisagem urbana, locais onde se situavam pontos notáveis das antigas estruturas defensivas.
Com a construção de novos prédios estagnada, Setúbal entra agora no período da reabilitação urbana.