Vulgarmente diz-se que a inteligência é o atributo que mais distingue os seres humanos das outras espécies vivas e que essa é a sua grande vantagem comparativa. Por isso se espera que a evolução da espécie se faça na direcção da contínua melhoria da inteligência (até se prognostica um ser humano macrocéfalo, com poucos ossos e músculos, sentado, mas muito inteligente…). De facto, a história da evolução humana, desde o “homo erectus” até ao actual “homo sapiens sapiens”, tem-se feito, sempre, no sentido do alargamento das capacidades intelectuais. Isso aconteceu porque, obedecendo à lei da evolução de Darwin, aqueles que nasceram mais inteligentes foram sendo capazes de se adaptar mais rapidamente ao meio envolvente, o que lhes garantiu uma maior taxa de sobrevivência e uma consequente maior taxa de reprodução. Assim, de geração em geração, segundo esta lógica evolucionista, fomo-nos tornando (enquanto espécie) cada vez mais dotados intelectualmente (particularmente na capacidade de raciocínio abstracto e na consciência alargada) tornando-nos o animal com o maior cérebro (em proporção do corpo).
Ao olharmos para o presente, porém, não fica claro que a evolução se continue a dar na direcção de progressivo aumento da inteligência… Porque hoje já não é claro que os mais inteligentes sejam os mais adaptados à realidade e, seguramente, não são os que mais se reproduzem…
A verdade é que lidamos com duas grandes novidades: a abundância alimentar (e demais satisfação das necessidades básicas) e o controlo da reprodução. A revolução industrial, primeiro, e a invenção da pílula contraceptiva, depois, podem ter baralhado as contas da evolução! Estes últimos segundos da nossa história evolutiva (desde os meados do séc. XVIII) podem ter mudado a direcção da nossa evolução…
Por um lado, já não é claro que a grande capacidade intelectual (normalmente medida pelo QI) seja hoje um determinante do sucesso. As pessoas mais inteligentes do planeta não são as mais ricas (as pessoas mais ricas do mundo são gestores de empresas, líderes políticos e criminosos, e não foi graças ao seu QI genial que lá chegaram mas antes graças à sua propensão ao riso, à sua ambição e à sua agressividade), não vivem necessariamente mais anos do que as outras e nem sequer são as mais felizes (as pessoas mais inteligentes são também, amiúde, as mais angustiadas com questões existenciais e, muitas vezes, pouco capazes de competirem socialmente). Por outro lado, mesmo que as mais inteligentes fossem as mais bem-sucedidas, elas não são as que mais se reproduzem (antes pelo contrário, tendem a ser os menos instruídos e inteligentes que mais se reproduzem).
Assim, a questão coloca-se: será a inteligência uma característica que se desenvolverá no próximo passo evolutivo?
É verdade que há diferentes tipos de inteligência e talvez não seja o QI o mais importante mais sim a inteligência emocional… Mais aí está: vivemos numa sociedade que mistifica o QI quando, na prática, não parece ser esse o atributo que mais sucesso garante ao indivíduo. Se assim for, daqui a 500.000 anos, o ser humano não será mais inteligente mas sim mais capaz socialmente (menos agressivo, mais comunicativo, assertivo e empático?).
Depois, ao termos descoberto a forma de, eficazmente, controlarmos o nosso processo reprodutivo criámos um novo mudo! E nem estou a falar do envelhecimento populacional consequente ou da emancipação da mulher que isso proporcionou. Estou a falar de algo muito mais profundo: a própria lógica evolutiva pode sofrer alterações dramáticas!
A lei da evolução que Darwin descobriu é uma lei inultrapassável: as espécies vivas evoluem através da selecção natural dos portadores das características mais convenientes a cada momento. Porque sobrevivem mais e porque se reproduzem mais. E aqui está o problema: é que passando a ser volitiva a reprodução, deixa de ser verdade que os que, num dado momento, sejam mais adaptados se reproduzam mais… Significa que uma dada característica boa (nesse sentido) pode não se replicar tanto e, assim, outras características sobressaírem…
A inteligência está, então, duplamente ameaçada: pode já não ser a característica mais adaptada às sociedades actuais e, mesmo que fosse, nada garante que ela sobressaia no processo evolutivo… Assim, não é nada claro que o caminho da evolução nos leve na direcção da inteligência… No futuro, podemos vir a ficar mais burros, mas mais felizes e capazes de sobreviver…