Simetria de estádio
Os Muse atravessam aquele que é, provavelmente, o período mais bem sucedido da carreira
O estatuto de banda de estádio dos Muse era pouco menos do que improvável há uns 11 anos. Quem os viu, como nós, no Festival Sudoeste, em 2002, gravou a imagem de uma banda explosiva, capaz de congregar várias tribos pelo seu híbrido de riffs metal, teclados sedutores e pitadas de electrónica. Para além disso, nunca puseram de lado um apurado sentido pop, graças a refrões orelhudos e à potência vocal do talentoso Matthew Bellamy, capaz de atingir agudos que proporcionam picos de dramatismo pouco usuais no rock do século XXI. Talvez seja precisamente esse sentido épico que os “puxou” para o patamar de bandas como os U2 e Coldplay.
Os álbuns de estúdio dos Muse costumam ser suportados por um conceito e, por isso, não espanta que aconteça o mesmo nesta digressão: há uma crítica genérica ao capitalismo desenfreado e aos mercados financeiros. Tal foi visível, de forma explícita, em duas encenações: em Animals, um banqueiro cai inanimado depois de distribuir notas pelo público; em Feeling good (versão de um tema popularizado por Nina Simone), uma yuppie suicida-se ao engolir gasolina. Para além disso, há referências à torrente mediática dos dias de hoje – ou não estivesse o palco pejado de ecrãs –, um pouco ao jeito da digressão Zoo TV, dos U2, mas obviamente sem a frescura e impacto que os irlandeses conseguiram há 20 anos.
Deixando de parte essas considerações, sublinhe-se que o espectáculo da banda britânica, que durou cerca de duas horas, foi escorreito e incluiu tudo aquilo a que o público está habituado nestas grandes produções: pirotecnia, explosões de confetes, bandeiras de Portugal, momentos de maior proximidade com a assistência (num palco secundário) e até surpresas como a presença de um robô de cinco metros, baptizado Charles. Os cinco singles do mais recente álbum, The 2nd Law (Survival, Madness, Follow me, Supremacy e Panic station), fizeram parte do alinhamento, mas este foi essencialmente um espectáculo de greatest hits. Supermassive black hole, Resistance, Hysteria e Time is running out estiveram entre os temas recebidos com maior entusiasmo.
Porém, os melhores momentos foram outros, contando-se entre eles a sugestão funk de Panic station – acompanhada nos ecrãs gigantes por uma animação que mostrou Cristiano Ronaldo (aplaudido) e a chanceler alemã Angela Merkel (assobiada), entre outras figuras públicas como o presidente americano Barack Obama –, a explosão de New born e Bliss (um dos temas em que os Muse juntam de maneira mais feliz agressividade e doçura, riffs e electrónica). O tema foi também um dos quatro de Origin of Symmetry (2001) que fizeram parte do alinhamento, enquanto o álbum de estreia ,Showbiz, apenas foi abordado na balada Unintended e em Sunburn.
No palco, os Muse tiveram na sombra um quarto elemento (Morgan Nicholls, nos teclados), importante para a construção do seu som, que seguiu primordialmente as versões de estúdio, sem grandes invenções. Recuando dez anos, é fácil perceber que o trio está agora como que “amansado”: o poder de explosão dos primeiros tempos foi preterido em favor da construção de uma “máquina” que explora o potencial épico de um repertório que parecia, à partida, demasiado agressivo para chegar a um público tão vasto. A aposta funciona na perfeição: para ficarmos convencidos disso ter-nos-ia bastado perceber como Uprising, já no encore, foi entoada em uníssono.
Os Muse cumpriram – ao contrário dos anódinos We Are the Ocean, na primeira parte – e atravessam aquele que é, provavelmente, o período mais bem-sucedido da carreira. Ou muito nos enganamos, ou pelo rumo musical mais experimental e menos grandiloquente desenvolvido em The 2nd Law, não voltarão a congregar a mesma unanimidade numa próxima digressão.
Texto corrigido às 13h12, alterando uma canção do alinhamento