O fenómeno Jack Monroe está a levar comida boa aos novos necessitados da crise

No Reino Unido, uma blogger vai publicar um livro na Penguin com as receitas que cozinhou com o pouco dinheiro que tinha nos últimos 18 meses.

Foto
Jack Monroe durante o programa da BBC DR

As circunstâncias em que o blogue nasceu não foram as mais felizes, costuma dizer, mas a crise deu-lhe razão. Jack Monroe conta no blogue que todos os dias recebe emails de famílias que passaram a viver mal. Também lhe chegam mensagens de bancos alimentares de vários pontos do Reino Unido a dizer-lhe o quanto as suas receitas são úteis para pessoas necessitadas, pessoas que passaram a cozinhar refeições saudáveis e equilibradas com o muito ou pouco que resta no fundo dos seus frigoríficos.

Jack Monroe é uma mãe solteira de 24 anos com consciência política. Passou a cozinhar com muito pouco, por necessidade. As suas refeições podem variar mas o seu custo não vai além dos 49 pence (de libra) – cerca de 58 cêntimos do euro. Por semana, não gasta mais de 10 libras, ou seja 12 euros. O blogue mudou a vida de muitas pessoas, incluindo a sua. Na semana que passou, confirmou aos fãs aquilo que circulava, como rumor, nas redes sociais. “É verdade, assinei com a Penguin.”

A prestigiada editora vai publicar um livro de 100 receitas assinadas por ela na Primavera de 2014. Citada no site The Bookseller, a responsável dos livros de cozinha da Penguin Lindsay Evans disse: "Jack Monroe é uma voz fresca e nova para os nossos tempos. (...) Não só conseguiu garantir a sua alimentação e a do seu filho por menos de 10 libras [12 euros] por semana mas fê-lo descobrindo receitas deliciosas e nutritivas, e todas dentro desse orçamento. Mais importante ainda é que ela pode agora mostrar-nos como fazer o mesmo."

Uma tendência também em Portugal

Em Portugal, existem páginas na Internet com receitas económicas e vários livros sobre o tema têm sido publicados. Receitas Low-Cost de Filipa Vacondeus ou Praça da Alegria - Receitas Económicas são apenas dois exemplos. Também a Direcção-Geral de Saúde lançou recentemente um livro Alimentação Inteligente – Coma melhor poupe mais, que se apresenta como um manual para as compras e cozinha em tempo de crise.

No Reino Unido, Jack Monroe tornou-se a principal referência nesta matéria. Nos longos posts que publicou nesta última semana, partilha com leitores e fãs a sensação de começar a perder os benefícios do anonimato. Desde que foi entrevistada no BBC Breakfast do passado fim-de-semana, quadruplicou o número de seguidores no Twitter que são agora mais de 3500. E, no supermercado, toda a gente espreita o que leva no cesto, conta animadamente. Ganham-se outras coisas, parece dizer: “Adoro quando as pessoas me enviam fotografias do seu jantar por Twitter. Ou quando as pessoas me mandam mensagens dizendo quanto dinheiro pouparam nas compras do supermercado.”


Jack (Melissa) vive em Southend a leste de Londres, na região de Essex. Podia ser um Jack of all trades dos tempos modernos – da expressão popular, que refere uma pessoa que faz muitas coisas bem, mas nenhuma muito bem, escolheu o pseudónimo. Para já, o seu blogue parece tê-la levado no bom caminho. Começou por ser sobre assuntos políticos e como sobreviver no desemprego e com apoios sociais. Frequentemente reflectia sobre as medidas do Governo que dizia estar distante da realidade por não entender as dificuldades que as pessoas atravessam quando dependem das ajudas.

Da política às refeições a baixo custo

Mas foi quando se centrou nas questões sobre comida nestes tempos de crise que o blogue descolou, conta ao jornal The Independent. Na mesma entrevista, contesta as pessoas que citam o ministro do trabalho e da segurança social do Governo tory de David Cameron para defender que as pessoas podem viver com 53 libras por semana (63 euros por semana). E diz que essas pessoas se esquecem que esse apoio, muitas vezes, não chega para pagar as despesas todas. E isso acontece a um número cada vez maior de pessoas.

“Pode acontecer a qualquer pessoa” – é a sua mensagem. Aconteceu-lhe há um ano e meio quando teve de abandonar o seu trabalho na central telefónica do serviço de bombeiros por não conseguir negociar um horário flexível e não ter onde deixar o seu filho Johnny de quase três anos. Tem poucas ajudas do pai da criança, diz, e os próprios seus pais moram longe e só raramente podem pagar o transporte para a apoiar.

A sua vida mudou desde então. Além da perspectiva do livro, anunciada há poucos dias, começou a trabalhar como repórter no jornal local.

“Nunca quis ser rica e famosa. Era apenas uma jovem mulher zangada que falava de política, documentava os altos e baixos na vida de uma mãe solteira desempregada, desesperada para encontrar um emprego e recomeçar de novo”, escreve na sua página. “Mas quando estou em casa à noite e olho para o montinho de contas por pagar atrás do micro-ondas, continuo a ser eu. Uma mãe, repórter dum jornal local, uma blogger, viciada na cozinha, uma mulher comum a tentar levar o seu caminho pelo mundo.”

 

 

Sugerir correcção
Comentar