Nuno Sá fotografa a vida no mar para agitar consciências em terra

Por uma boa imagem, é capaz de passar dez dias no mar, suster a respiração e mergulhar até aos dez metros à espera de um tubarão. Tem fotografias premiadas e expostas nos quatro cantos do mundo. Se uma imagem vale mais do que mil palavras, as suas são um grito pela conservação da natureza.

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A foca-monge, fotografada nas ilhas Desertas a cerca de sete metros de profundidade Nuno Sá
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Este tubarão-azul valeu-lhe o primeiro prémio num concurso de fotografia de natureza nos EUA Nuno Sá
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"Orcas ao pôr-do-sol" é o nome que Nuno Sá deu a esta fotografia tirada ao largo de São Miguel Nuno Sá
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Este tubarão-frade estava no meio de um grupo de baleias de barbas, em alto mar Nuno Sá
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Imagem de um tubarão-azul premiada no concurso Wildlife Photographer of the Year Nuno Sá

A fotografia, tirada no Verão de 2010, correu mundo. Foi capa da edição portuguesa da revista National Geographic e foi também publicada na edição internacional. Resultou de uma missão para a qual foi convidado, no âmbito do projecto Wild Wonders of Europe. Se tinha dúvidas sobre o que haveria de fazer na vida, acabaram ali. “O sonho que tinha, de ser fotógrafo de natureza, era exactamente aquilo”, conta.

Estima-se que existam 500 focas-monge no mundo, uma espécie em perigo crítico de extinção desde a década de 1990 mas que encontrou nas ilhas Desertas um pequeno oásis. “A Madeira é um dos poucos sítios onde estão a conseguir recuperar. A população passou de seis a oito indivíduos em 1988 para mais de 30 animais actualmente”, afirma, com o entusiasmo de um activista. Encara a fotografia subaquática como uma missão. “O fotógrafo de natureza deve ser um porta-voz e contribuir para a valorização e sensibilização ambiental”, defende.

O que sabe sobre o mar e os animais que nele habitam aprendeu com as fotografias que tirou. Porque “o trabalho começa depois de conseguir a imagem”. É ele que escreve os artigos que acompanham as fotografias que já publicou em várias revistas da especialidade. Apoia-se nos livros, no contacto com biólogos e especialistas em fauna marinha, nos pescadores. Da licenciatura em Direito, que tirou mas nunca exerceu, guardou apenas o espírito combativo e a vontade de defender algo em que acredita.

“Todas as espécies sobre as quais escrevi para a National Geographic estão em perigo de extinção ou são consideradas vulneráveis pelo IUCN [União Internacional para a Conservação da Natureza, da sigla em inglês]“, lamenta. O papel do fotógrafo subaquático é, para Nuno Sá, mostrar a vida marinha “riquíssima” que existe nas águas portuguesas e agitar consciências. “Não é só mostrar uma fotografia bonita. Temos de contar a história toda.”

A imagem certa

Nuno Sá é o fotógrafo subaquático português mais premiado internacionalmente em concursos de fotografia de natureza. Em 2008, quando começou a dedicar-se inteiramente à fotografia, foi o primeiro português premiado no Wildlife Photographer of the Year, o concurso de fotografia de vida selvagem organizado pela BBC e pelo Museu de História Natural de Londres. Venceu com uma imagem de orcas ao pôr-do-sol, tirada ao largo da ilha de São Miguel. Passou uma tarde inteira no mar para conseguir a imagem certa.

A fotografia de um tubarão azul valeu-lhe outro primeiro prémio na categoria Oceanos, em 2011, no Winland Smith Rice International Awards, o concurso mais importante de fotografia de natureza dos Estados Unidos. Mais recentemente, em Março, ganhou uma medalha de ouro e outra de prata no prestigiado DEEP Indonesia International Underwater Photo Competition, com fotografias de jamantas (a maior espécie da família das raias) e tubarões.

Tem exposto as suas fotografias nos quatro cantos do mundo, incluindo Lisboa, onde no Verão do ano passado esteve a exposição "Oásis", junto ao Oceanário. O portefólio é extenso e excêntrico: tubarões-frade de boca aberta, grandes jamantas a "voar" no oceano, tartarugas em viagem, golfinhos em grupo, baleias imponentes.

Os prémios fizeram-no deixar para trás o curso de Biologia Marinha – no qual se inscreveu assim que chegou aos Açores, em 2002 –, e o trabalho numa empresa de observação de cetáceos e num centro de mergulho. Percebeu que poderia dedicar-se a 100% à fotografia e ao vídeo subaquático, outra paixão. Desde então não larga a máquina quando vai para o mar. “Só fiz um mergulho sem máquina até hoje, porque era obrigatório não levar”, diz o fotógrafo de 36 anos.

Amor à primeira vista

Começou a mergulhar a convite de uma amiga, no final da década de 1990. Quando acabou o curso de Direito foi viajar pelo mundo durante um ano e mergulhou nos locais mais paradisíacos. Austrália, Nova Zelândia, Tailândia. “Nessa altura já me tinha apercebido de que não pensava um dia nos casos que queria ganhar em tribunal. Só pensava no mar”, recorda.

Quando mergulhou nos Açores, foi amor à primeira vista. Mesmo tendo conhecido lugares incríveis no estrangeiro, os Açores eram “o sítio mais fantástico”. Deixou Lisboa e mudou-se para São Miguel decidido a dedicar a vida ao mar. Encontrou aí outra missão: divulgar a riqueza marinha dos Açores, da Madeira e também do continente.

Chegou a pensar correr o mundo à procura de uma carreira internacional, mas preferiu seguir o conselho de um fotógrafo da National Geographic International. “Disse-me que eu vivia num dos sítios com maior riqueza marinha e biodiversidade a nível mundial e que todos os fotógrafos do mundo vão todos os anos aos Açores tentar fazer as imagens que eu podia conseguir, ali no meu quintal”, recorda. A decisão estava tomada.

Admite que mergulhar com orcas e tubarões é “um bocadinho intimidante” mas garante nunca ter sentido perigo. “A adrenalina vem de querer conseguir a imagem, espreitar pelo ecrã da máquina e ver a imagem toda a compor-se à minha frente”, descreve. Costuma mergulhar com garrafa de ar mas também fotografa em apneia, sustendo a respiração. “Fazer um plano de um tubarão baleia em apneia a dez ou 15 metros de profundidade, quando o animal tem 12 ou 13 metros, às vezes é complicado”, admite. É preciso estar preparado.

É com os investigadores, os cientistas e os pescadores que planeia o Verão, a melhor época de mergulho nos Açores. “São oito meses a preparar e quatro a fotografar.” Costuma sair para o mar no barco que comprou com um amigo, ou em cruzeiros de investigação científica aos montes submarinos. A equipa inclui sempre mais um fotógrafo e uma mergulhadora – “fica melhor nas fotografias”. Na mala, segue a máquina, cheia de “braços” com luzes e lentes. Tudo para “tentar conseguir a imagem que ainda ninguém conseguiu”.

Falta-lhe fazer uma fotografia subaquática da baleia azul, o maior animal do planeta. “Já passaram a três metros de mim mas não consegui porque a máquina não focava, a visibilidade estava péssima”, lamenta. Os tubarões baleia também dão trabalho. Chegou a passar dez dias no mar, com os pescadores do atum para conseguir “meia dúzia” de boas fotografias. Tudo isto ao largo dos Açores. “Vivemos num país com uma enorme riqueza ambiental e poucos sabem disso”, lamenta.

Também ele não sabia que a Ria Formosa, no Algarve, tem a maior população de cavalos-marinhos do mundo. Até ir fotografá-los. Num mergulho chegou a ver mais de 20 cavalos-marinhos. A população entrou em declínio na última década mas têm sido desenvolvidos projectos cujos resultados são animadores para o futuro desta espécie.

Nuno Sá acredita que as suas fotografias podem contribuir para esse futuro: “Temos a maior população de cavalos-marinhos, a foca mais rara, os maiores animais marinhos do mundo nas nossas águas, mas poucos sabem disso. Muitos estão em perigo de extinção. Se conseguir levar esta mensagem aos portugueses, conseguirei mudar a realidade.”

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