Assim de repente, e na maior parte dos dias, não me imagino a viver noutro sítio. Tenho em mim uma permanente inquietude, que me leva a nunca arrumar completamente as malas. De vez em quando, posso até estudar um plano de fuga. O certo é que, de uma maneira geral, sinto-me muito bem aqui.
Encontrei no Mindelo o modelo quase perfeito de cidade. Grande o suficiente para não faltar o essencial (tirando excepções sazonais, mas não vos quero preocupar), e pequeno que baste para ser certo que nos cruzaremos com alguém conhecido. Cumprimentar gente na rua é uma coisa importante. Para o bem e para o mal, tudo se sabe — infidelidades incluídas — ao fim de pouco tempo, o que pode ser péssimo para a privacidade, mas óptimo para a fofoca.
Em números redondos, São Vicente tem 75 mil habitantes. Por estes dias (e por estes anos), a ilha vive uma enorme crise económica, com reflexos sociais graves: 28,9% da população activa está desempregada e o número sobe para 49,7% entre os jovens. Os números oficiais pecam, quase de certeza, por defeito, e excluem, entre outros, a maioria que, trabalhando, tem rendimentos mensais perto do inexistente.
A vida é tendencialmente cara. Uma ida ao supermercado exige um espírito matemático muito apurado. Nalguns casos, os preços duplicam em relação à referência que temos de Portugal, pelo que se torna quase inevitável alterar os hábitos alimentares que se trazem do Norte.
A electricidade e a água estão entre as mais caras do mundo. O aceitável nível tecnológico das telecomunicações também se faz pagar bem.
O parque habitacional tem enormes carências. Muitas centenas de famílias continuam a viver naquilo a que aqui chamamos de "casas de tambor" e que são, no fundo, barracas.
Aos olhos do europeu comum, o povo das ilhas tem tudo para ser infeliz: pouco dinheiro no bolso, preços altos e pouco ou nenhum património pessoal. Pois o que mais tiramos daqui é precisamente a alegria de viver, o sorriso permanente e a cabeça levantada.
A desmaterialização é o maior de todos os bens. No dia em que descobrimos que podemos viver com muito menos do que achávamos possível, libertamo-nos do terrível peso de querermos ter sempre mais do que aquilo que já temos.
Dos ocidentais ricos importamos quase tudo o que comemos (o que vestimos trazemos da China). Importamos também a ajuda externa de que dependemos e o assistencialismo cínico a ela associada.
Além de exportarmos peixe — senhores de Espanha, por favor, parem de saquear os nossos mares e fingir que não se passa nada que nós já vos topámos! — deveríamos exportar esta ‘simplicidade basofa’ de quem não tem nada, mas está sempre cheio de si. É o melhor que se pode ter.
*Da língua cabo-verdiana, que se preocupa com sua apresentação; vaidoso; fanfarrão.