América trash

Há uma frase absolutamente central para perceber o fogo de artifício neon do objecto provocante que é o novo filme do enfant terrible Harmony Korine, pronunciada muito cedo na narrativa por uma das suas personagens: “faz de conta que é um jogo de video, ou que estás a representar num filme.” É exactamente isso que as quatro universitárias que querem ir para a Flórida curtir no equivalente americano das férias da Páscoa querem: viver as fantasias que aprenderam na Xbox ou nos filmes de Hollywood, serem heroínas da sua própria aventura. Quinze anos depois do guião que escreveu para Miúdos de Larry Clark (1995), Korine fecha o círculo para falar de outros kids entregues aos seus próprios cuidados - outros mas talvez não tão diferentes como isso, com um subtexto de melancolia moral (ou moralista?) por trás.


Korine denuncia com gosto todos os lugares-comuns da comédia teenager modelo American Pie de universitários-à-solta, mas aproveita-se subversivamente delas ao mesmo tempo para as suas próprias intenções: há um preço a pagar porque não se brinca impunemente aos gangsters, mas esse preço não será o mesmo para as quatro universitárias sedentas de emoções fortes do que para o rapper ambicioso que as “apadrinha” - este não é o seu mundo real mas antes a sua Las Vegas, e “o que acontece em Vegas fica em Vegas”. A ironia de Korine vai ao ponto das suas heroínas serem três bimbas louras intermutáveis e uma morena pensativa que é a consciência moral do grupo, interpretadas por ex-meninas certinhas das séries da Disney (Vanessa Hudgens, Ashley Benson e Selena Gomez), confrontando-as com o tal rapper metido em cavalarias demasiado altas (James Franco), ele próprio um outsider a brincar aos gangsters.

O que daqui sai é, em nosso entender, o melhor filme de Korine-realizador - uma celebração doce-amarga de uma América trash e hedonista que parece ter perdido o compasso moral, observada em simultâneo com o prazer descartável e passageiro de uma classe média que vive emoções por procuração e com a meditação moral de um observador que se pergunta quão fundo tudo isto ainda poderá ir, e que não encontra nenhuma contradição nos termos entre ambos. Talvez porque Korine o filma como uma versão néon fluorescente de uma comédia teenager a dar para o azar, com Benoît Debie a puxar à saturação as cores já de si vivas de Miami e as electrónicas pulsantes de Cliff Martinez a colidirem com os ritmos furiosos de Skrillex na banda-sonora, tornando esta Viagem de Finalistas numa directa surreal e alucinada com toda a densidade de um jogo de video. É nesse jogo entre a densidade e a superfície que Viagem de Finalistas perde por vezes o pé - como se fosse, lá está, “apenas um filme” - mas é também aí que se levanta todo o seu interesse.

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