Abril na Educação
Todos os progressos que hoje reconhecemos não nos foram trazidos, não nos foram dados. Foram o resultado da ação, do esforço, do empenho, da motivação e da força coletiva de querer construir um país melhor, mais livre e mais justo. Não sem conflitos, não sem tensões sociais e crises. Não sem dificuldades com a escassez de recursos humanos e financeiros.
Hoje podemos sentir orgulho por termos construído um país democrático e europeu, por ter terminado a guerra colonial e se terem tornado independentes e livres novos países que partilham connosco a língua portuguesa e laços de cooperação. Podemos orgulhar-nos de, neste pano de fundo, o nosso país ser não apenas mais livre, democrático e europeu, mas também mais moderno e mais justo para as mulheres, para os jovens, para os mais pobres e para os mais velhos.
As mudanças que ocorreram nos últimos 40 anos no setor da educação valem como exemplo do quanto investimos e do quanto construímos. O objetivo mais importante prosseguido por vários governos e ministros da educação, por vários autarcas e vereadores da educação, foi criar condições de acesso à escola e de sucesso educativo para todas as crianças e jovens, sem exceção. A partir de um sistema de ensino herdado do Estado Novo, organizado para proporcionar a 4.ª classe, ou quatro anos de escolaridade para as crianças com seis a dez anos de idade, foi progressivamente construído o atual sistema de 12 anos de escolaridade, abrangendo todas as crianças e jovens entre os três e os 18 anos. Neste processo de transformação, foi necessário, em particular:
• combater o trabalho infantil e criar um sistema de apoio social às famílias no esforço de educação dos seus filhos. Muitos já esqueceram que, em 1974, 30% das crianças com 13 anos e 57% das crianças com 14 anos trabalhava em lugar de estar na escola;
• construir mais de 1000 novas escolas básicas e secundárias para os mais de um milhão de alunos que hoje as frequentam. Muitos já esqueceram que existiam apenas cerca de 100 escolas técnicas e liceus, frequentados por cerca de 40.000 alunos;
• formar e profissionalizar milhares de professores. Muitos já esqueceram que existiam apenas 26.000 professores em 1974, dos quais apenas 6000 profissionalizados, e que atualmente estes são cerca de 150.000;
• definir novos currículos, programas e instrumentos de ensino necessários a uma escolaridade básica de nove anos e secundária de três. Muitos já esqueceram o tempo do livro único;
• criar uma rede de escolas profissionais, sobretudo de estatuto privado, cujo modelo de funcionamento veio, depois de 20 anos de boas práticas, a ser estendido às escolas secundárias públicas.
Ao esforço inicial de alargamento e dimensionamento das infraestruturas e dos recursos de ensino, sucederam-se vários programas de modernização de todo o sistema. Nesse âmbito:
• foi criada uma rede de ensino pré-escolar frequentada hoje por mais de 250.000 crianças;
• foi construída uma nova rede de escolas do primeiro ciclo, requalificando algumas das velhas escolas primárias e encerrando escolas isoladas e muito degradadas, criando-se condições para o alargamento do horário de funcionamento e de uma escola a tempo inteiro;
• foram modernizadas todas as escolas básicas e secundárias, equipadas com meios tecnológicos de comunicação e informação, bibliotecas e equipamento desportivo, e transformadas em espaços públicos modernos e valorizadores do conhecimento e dos saberes.
O sistema de ensino mudou muito na dimensão e na qualidade. Transformou-se num sistema universal e promotor da igualdade de oportunidades para todas as crianças e jovens. Os resultados de toda esta transformação traduzem-se em indicadores como a taxa de escolaridade aos 17 anos de idade que passou de 28%, em 1974, para 80%. Ou a taxa de cobertura do pré-escolar, que passou de 8% para 80%. Ou, ainda, o número de jovens que hoje frequentam o ensino superior, hoje cerca de 400.000, sendo mulheres mais de metade.
Foram igualmente importantes as melhorias na qualidade das aprendizagens, medidas pela OCDE com testes internacionais. Nos relatórios de 2009 e 2012, Portugal encontrava-se entre os países com melhorias mais significativas em português, em ciências e em matemática. Um revelador de todas estas mudanças é também a taxa de abandono escolar precoce: nos últimos dez anos Portugal foi o país que mais progrediu na redução do número de jovens que entram no mercado de trabalho sem o 12.º ano.
Todo o progresso na educação, como na saúde, ou na criação de infraestruturas, exigiu um esforço de investimento, por vezes superior à riqueza que ia sendo produzida no país e, por isso, foi necessário o recurso ao crédito e aos fundos estruturais. Daí resultaram encargos de dívida que em parte serão da responsabilidade de futuras gerações, mas a verdade é que boa parte desses encargos se destinaram justamente a melhorar as condições de vida dessas futuras gerações e, sobretudo, a melhorar as condições da sua participação num mundo global.
Prevalece hoje um pessimismo que vai ao ponto de negar todos os progressos alcançados e todas as realizações. Querem-nos fazer acreditar que o sonho de modernizar o país foi um erro, que estava acima das nossas possibilidades, que devíamos ter continuado pobres e sem ambições, que não nos devíamos comparar com os países parceiros da União Europeia. Ouve-se falar em décadas perdidas.
Penso que as décadas só foram perdidas para aqueles portugueses que não beneficiaram do desenvolvimento do país, aqueles para quem a escola não foi uma verdadeira oportunidade e para quem o círculo da pobreza e da exclusão não foi quebrado.
Quer isto dizer que fizemos tudo bem? Quer isto dizer apenas que fizemos muito. Mas que ainda não chega.
O esforço e o investimento que ainda necessitamos de fazer no domínio da educação são enormes. A redução do abandono escolar precoce é um dos grandes objetivos da União Europeia para 2020.
Portugal assumiu o compromisso de reduzir o abandono escolar precoce para 10% até essa data. Todavia o abandono escolar precoce é ainda hoje superior a 20%. Isto é, em 2012, tinham abandonado a escola, sem concluir o secundário, mais de 170.000 jovens. São jovens que estão a iniciar a sua vida no mercado de trabalho sem terem as qualificações mínimas hoje exigidas no espaço europeu. Todos sabemos como a meta de 10% será difícil de alcançar sem um investimento forte e sem um empenho político incondicional no cumprimento da escolaridade obrigatória e nos programas de segunda oportunidade.
Precisamente quando se comemora o 25 de abril, vale a pena lembrar que é possível mesmo aquilo que parece impossível.
Maria de Lurdes Rodrigues é presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e professora de Políticas Públicas no ISCTE-IUL. A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico.