Tem razão quem é do contra, e quem concordar não tem razão

O sucesso em Portugal não é entendido como vindo do trabalho ou do esforço, vem antes de um conjunto de factores que foram conspirados no sentido de privilegiar, e não reconhecer

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teresatrimm/Flickr

Há por estes dias, mais do que é já idiossincrático em Portugal e nos portugueses, um sentimento de pertença e partilha social com base na oposição, rejeição, na crítica e no confronto.

Há demasiadas certezas nos que são a favor e nos que são contra, uns contra os outros, num debate em que o que tende a ser visto como correcto é a razão dos que estão contra.

O desânimo em que vimos mergulhando, renovado sempre que ao emergindo do desgaste dos dias e da crise conseguimos mais um pouco de fôlego para ir aguentando, faz com que o cansaço que toma conta de nós, individual e colectivamente, nos faça querer culpar alguém pelas coisas, e tal sentimento faz nascer em cada um a necessidade de ser “do contra”. Como se o alento viesse da luta, e fosse neste sentimento e condição que encontramos solução suportar...

Por tudo isto, parece que as soluções dos nossos problemas não passam pelo compromisso, não passam pela abordagem à busca da solução, mas antes pela contestação, pela oposição, pela simples demanda.

Vivemos os dias dando razão a quem demanda um conjunto de princípios de vida melhores, os quais estou certo que todos desejamos, mas opondo-nos a quem procura uma abordagem à solução com base nas condições e nos recursos disponíveis.
Rejeitamos assim o mundo real e vivemos na utopia dos nossos sonhos.

O que nos importa e dá alento é a luta, e quem busca a solução está comprometido (corrompido?) com o sistema, com o qual, contra o qual, lutamos. É este sentimento que ao mesmo tempo que nos liberta, que nos condiciona, que nos cria constrangimentos, e dá nota que vivemos ainda pouco confortáveis com a Democracia, ou pelo menos com o seu funcionamento.

Acresce a tudo isto uma apologia da ética do sacrifício. Em Portugal, quem mais sofre, mais reconhecimento social, tem.

Talvez por isto, são notórios sinais de que confundimos caridade com solidariedade, que vivemos mal com o mérito, o sucesso e até mesmo a sorte, devendo aqueles que tem um, ou todos, destes três predicados serem penalizados de alguma maneira, no sentido de dotar de algum equilíbrio cósmico o sofrimento da sociedade.

Esta ética do sacrifício leva-nos ainda a uma névoa de medo a pairar sobre tudo, e de dúvida que nos corrói: o sucesso em Portugal não é entendido como vindo do trabalho ou do esforço, vem antes de um conjunto de factores que foram conspirados no sentido de privilegiar, e não reconhecer.

Como se merecêssemos viver melhor, sendo essa a nossa função de cidadania, mas o sistema (bancos, empresas, Estado, Sociedade Civil) tivesse a obrigação de promover essa melhoria de condição de vida.

Como se dizia no Estado Novo: “um lugar para cada um, e cada um no seu lugar” — será que é isto que queremos?

Não percebemos porém que esse nível de decisão, a abordagem à solução que reclamamos, começa por mudar a nossa própria condição, e exigir uma mudança com base no compromisso, com base na participação, sem preconceitos, e sem favorecer mais a luta (embora a mesma seja necessária) mas reflectindo sobre o meio e o caminho.

Rimo-nos da crítica a quem faz, porque faz mal, e ao mesmo lamentamos que ninguém faça nada.


Somos bons a dar sentido ao provérbio árabe que diz: “Quem quer fazer arranja um meio, quem não quer arranja uma desculpa”. E de desculpa em desculpa, vamos aumentando a nossa culpa na situação em que vivemos.

Cá para mim quem tem razão é o Rui Veloso na “Canção de Alterne”:

“Pára de chorar

E dizer que nunca mais vais ser feliz


?Não há ninguém a conspirar


?Para fazer destinos


?Negros de raiz


?Pára de chorar


?Não ligues a quem diz


?Que há nos astros o poder


?De marcar alguém


?Só por prazer(…)”

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