Contratos de alto risco em empresas públicas levaram taxa de juro para 20%

Produtos tóxicos que dependiam de variáveis como a cotação do petróleo foram encontrados na Metro do Porto, STCP, Metro de Lisboa e Carris.

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Empresa de transportes colectivos do Porto é uma das que recorreram aos swap Fernando Veludo/NFactos

O PÚBLICO apurou que estas quatro empresas foram identificadas como explosivas, porque, em vez de se limitarem a contratualizar swaps para cumprir o objectivo a que se destinam (definir uma taxa fixa para os financiamentos), foram invadidas por derivados financeiros complexos e altamente especulativos.

Os produtos a que aderiram fazem depender as taxas a pagar aos bancos de factores completamente alheios aos empréstimos. Entraram em jogo variáveis como a evolução da cotação do petróleo ou a variação do euro face ao dólar. Há casos extremos em que estas verdadeiras apostas financeiras fizeram as taxas disparar para patamares a rondar os 20%, quando a Euribor a três meses (que é tida como referência neste tipo de contratos) está actualmente em 0,2%.

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Num comunicado enviado na segunda-feira às redacções, depois de o PÚBLICO ter avançado que a saída de dois secretários de Estado do Governo está relacionada com a contratualização de financiamentos de alto risco na Metro do Porto, o Ministério das Finanças reconheceu a existência de contratos com “estruturas altamente especulativas” nas empresas públicas que aderiram a estes produtos.

“Conclui-se que vários destes contratos têm características problemáticas por não se tratarem de meros instrumentos de cobertura de risco”, que deveria ser o objectivo para a adopção de swaps, o termo usado para designar estes produtos.

Esta conclusão foi retirada depois de uma auditoria conduzida pela Inspecção-Geral de Finanças e pela Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (antigo IGCP), que fizeram “uma análise aprofundada às características destes instrumentos”, tal como o PÚBLICO noticiou na semana passada.

No comunicado, a tutela de Vítor Gaspar avança ainda que iniciou “há dois meses um processo negocial com os bancos envolvidos, dando prioridade absoluta à reparação dos prejuízos financeiros sofridos pelo Estado, da forma mais rápida e certa possível”. 

As perdas potenciais associadas aos contratos celebrados por 15 empresas públicas superam já os três mil milhões de euros, como confirma o Ministério das Finanças, frisando que “estas operações foram contratadas antes da entrada em funções deste Governo”. Os prejuízos só se tornarão reais caso os bancos decidam liquidar antecipadamente estes contratos.

O período de negociação com os bancos envolvidos termina no “final desta semana”, revela a tutela, acrescentando que nessa altura “divulgará o resultado do processo negocial encetado com os bancos, bem como mecanismos que accionou tendentes a apurar eventuais responsabilidades, nos termos mais amplos admitidos”.

A Procuradoria-Geral da República, entretanto, está a recolher indícios sobre este caso: "Neste momento a Procuradoria-Geral da República está a proceder à recolha de todos os elementos que lhe permitam decidir da instauração do respectivo procedimento criminal”, revelou numa nota enviada ao PÚBLICO

Este caso já levou à saída de dois secretários de Estado do Governo: Paulo Braga Lino, da Defesa, e Juvenal da Silva Peneda, adjunto do ministro da Administração Interna, Miguel Macedo. Ambos são ex-gestores da Metro do Porto. Braga Lino foi director financeiro da empresa 2006 e 2011 e Silva Peneda pertenceu à comissão executiva entre 2004 e 2008.

Secretária de Estado do Tesouro afasta especulação na Refer
Também a secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Albuquerque (que foi directora financeira da REFER entre 2001 e 2007) emitiu um comunicado, a título pessoal, em que esclareceu que a empresa “não tem operações financeiras especulativas”.

“Mais se esclarece que o que tem sido posto em causa e tem vindo a ser analisado não é a legítima cobertura de risco financeiro – boa prática, e corrente, tanto no sector privado como no sector público – mas operações financeiras de natureza especulativa”, refere a governante, acrescentando que está “totalmente disponível para prestar esclarecimentos na sede adequada sobre as operações de sua responsabilidade enquanto diretora de gestão financeira da REFER”.

A saída de Maria Luís Albuquerque chegou a ser analisada pelo facto de estar ligada a uma das empresas que celebraram este tipo de contratos. No entanto, a situação da REFER é muito diferente daquela que existe na Metro de Lisboa e na Metro do Porto – as empresas que acumulam perdas potenciais mais avultadas, superiores a 1,9 mil milhões de euros.

O que são swaps?
Os swaps são contratos que servem para proteger os financiamentos da variação da taxa de juro. Tal como aconteceu com as empresas públicas, centenas de empresas privadas recorreram a este mecanismo para cobrirem os riscos de uma subida desenfreada da Euribor.

No entanto, estes contratos têm-se revelado de alto risco porque geram ganhos mínimos para as empresas num cenário de subida de taxas de juro e perdas significativas quando as taxas descem. 

É usada a palavra swap, que em inglês significa troca, porque estes instrumentos permitem substituir uma taxa variável por uma fixa (e vice-versa). Têm chegado aos tribunais muitos processos a contestar a comercialização destes derivados. 

No Reino Unido, a Financial Services Authority, supervisora do sector, alcançou um acordo com os bancos, que se comprometeram a alterar os contratos e a compensar muitos dos clientes afectados.

Notícia corrigida às 11h30: Foi clarificado o conceito de swaps.

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