Qualquer ensaio de Peter Brook é útil para todos os que gostam de teatro. Se é sobre William Shakespeare, que trabalhou em inesquecíveis adaptações ao longo de uma carreira que já tem quase 70 anos, torna-se obrigatório. The Quality of Mercy- Reflections on Shakespeare (Nick Hern Books, 2013), que chega terça-feira às livrarias britânicas, reúne textos em que Brook explica por que lhe interessa tanto expor o público contemporâneo à obra do poeta e dramaturgo inglês (1564-1616), a quem devemos Romeu e Julieta, Tito Andrónico, Rei Lear e Sonho de uma Noite de Verão (peças que o encenador aborda em detalhe, a partir das suas versões e das peripécias que as envolveram).
Aos 88 anos, diz quem já leu esta colectânea de ensaios, a escrita de Brook continua um “modelo de clareza”. Para que os interessados possam decidir por si, o diário britânico The Guardian publicou esta semana um excerto. Nele Brook faz o que sabe fazer como ninguém – conta uma história. E ela começa assim: “Quando tinha 18 ou 19 anos, a minha única ambição era fazer um filme.”
É daqui que parte para admitir que ainda rapaz abordou Alexander Korda, célebre produtor húngaro radicado no Reino Unido e amigo do seu pai, para lhe dizer que tinha uma ideia que era capaz de dar um filme. Peter Brook acabara de regressar de Sevilha com a família, onde passara a semana santa, e as procissões tinham-lhe deixado a cabeça cheia de imagens. Korda arrumou-o num instante: primeiro disse-lhe, numa frase que o mítico encenador descreve hoje como típica de alguém que acabava de entrar para o topo da hierarquia social, que até um cozinheiro podia ter uma ideia; e em seguida pediu-lhe que só voltasse a falar-lhe no assunto quando a “ideia” estivesse suficientemente desenvolvida e Brook em condições de lhe oferecer “uma história”.
Só muito tempo mais tarde percebeu o que o produtor queria dizer. O episódio com Korda serve de introdução ao ensaio sobre a sua encenação de Sonho de uma Noite de Verão, versão dos anos 70 que se tornou histórica. Para esta adaptação acrobática do clássico de Shakespeare, Brook inspirou-se no circo de Pequim, na dança de Jerome Robbins e até em conversas com crianças. Com ela começou a desenvolver o seu método de trabalho orgânico, em que as ideias e os contributos de muitos são sempre preferíveis aos de um só.
“Qualquer cena em Shakespeare pode ser vulgarizada, até que praticamente não se reconheça, com o desejo de encontrar um conceito moderno. […] Os críticos escrevem sobre um ‘novo conceito’, como se este rótulo pudesse englobar o processo. Um conceito é o resultado e vem no fim. Qualquer forma é possível se aprofundarmos a nossa pesquisa até à história, até às palavras e aos seres humanos a que chamamos personagens. Se o conceito é imposto a priori por uma mente dominante, fecha todas as portas.” Dúvidas?
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