Sidh Mendiratta, o Prémio Távora 2013 a olhar para a Índia
O Prémio Távora 2013 vai estudar as casas-torre de origem portuguesa na Índia. Professor e investigador, às vezes pensa em exercer Arquitectura ao contrário: demolindo edifícios
Integra um alegado "gangue da Ásia" (explicações mais à frente). E foi com ela que venceu o Prémio Távora 2013. O projecto "Domus-fortins in Æquator: A Segunda vida da casa-torre de origem Europeia no antigo Estado da Índia" valeu a distinção ao arquitecto luso-indiano Sidh Mendiratta, como foi anunciado esta segunda-feira. Os seis mil euros do prémio vão possibilitar a viagem de um mês e sete dias em busca destas estruturas. Parte em Agosto. Em Outubro, apresenta o resultado.
O que vai estudar com este projecto?
No período da reconquista, as casas-torre espalham-se de Norte a Sul de Portugal. Terminando o processo de conquista, perdem a função de carácter militar e passam a ser casas senhoriais. Na Índia, Ceilão e Sri Lanka, havia a necessidade de aplicar isto face à insegurança e clima de guerra constante. Por um lado, há a necessidade de ocupar o território, mas ao mesmo tempo de manter as preocupações defensivas. A casa-torre tem uma segunda vida nos territórios de expansão, numa altura em que em Portugal já não tinha cariz defensivo. Este projecto pretende tentar compreender a história da arquitectura das casas-torre. No fundo, é tentar perceber como é que estas estruturas definiam as paisagens rurais e polarizavam redes de aldeias e, por outro lado, perceber como se processava a vida doméstica durante a expansão.
Como assim “vida doméstica”?
Como era a relação com a terra, com a agricultura, com as tradições locais. Nós sabemos que em certas situações na Província do Norte [do Estado da Índia] houve casas-torres fortificadas que evoluíram para jardins e socalcos com tanques. Isto conduz-nos para uma influência do jardim islâmico. Pequenas passagens na literatura permitem-nos pensar que a nobreza apropriava-se de alguns costumes locais, adaptando uma espécie de cultura do território a par de uma cultura doméstica. Há uma comunidade de descendentes (filhos de portugueses que nasceram na Ásia) que formam um grupo sociopolítico poderoso que muitas vezes está em conflito com os portugueses que vão e voltam, capitães e vice-reis. Estes descendentes nascem e morrem na Índia, não se misturando necessariamente, mas acabam assim por se misturar. Canaliza tudo para a história da arquitectura, mas é muito uma questão de mentalidade e de mudanças de mentalidade.
Como recebeu o anúncio do Prémio Távora?
Muito bem (risos). Já tinha pensado concorrer antes, mas com o projecto de investigação e o doutoramento era impossível. É como um ciclo que se fecha. Fui aluno do Fernando Távora no último ano que deu aulas. Agora que estou a dar aulas pela primeira vez, sinto o quão difícil é ser-se um bom professor no sentido mais humano do termo. Acho que há poucas coisas na vida tão importantes como ter um bom professor. Nas aulas, o Fernando Távora contava muitas histórias das viagens dele. Na altura, com 18 anos, não conseguia apreender tudo o que aquilo significava. Hoje acho que viajar foi fundamental para ele e que mudou a sua maneira fazer arquitectura. Transmitia-as para não nos fecharmos num contexto.
As viagens também estão muito presentes no seu trabalho...
A história da minha família faz-se de viagens. Vejo-as como uma espécie de ritmo que vão ritmando a vida. Cada uma é também uma viagem interior. Em redor do professor Paulo Varela Gomes e Walter Rossa, surgiu um grupo de pessoas a que chamamos ‘gangue da Ásia’. São pessoas que estão a fazer ou fizeram trabalhos no âmbito académico ligados à Ásia. Temos o vício de nos encontrarmos e de, sempre que possível, viajarmos à Índia. A Índia raramente deixa alguém indiferente, ou se gosta ou se odeia. De modo geral, quase todos os portugueses têm uma imagem muito presente e muito próxima da Índia, mesmo aqueles que nunca foram. As histórias dessas viagens são um caminho muito interessante.
Qual é o plano desta viagem?
Começa por Timor em finais de Agosto, onde estou nove dias. Depois, vou para o Sri Lanka (costa ocidental) oito dias, Goa [Índia], zona que conheço melhor, onde estarei uma semana e depois para a antiga Província do Norte [distrito de Damão]. Em cada sítio, terei de alugar um carro para fazer as viagens e tentar encontrar as ruínas.
E se elas não existirem?
Da experiência que tive de Goa e da Província do Norte há sempre qualquer coisa que fica. Os indianos têm uma espécie de respeito, veneração quase irracional pelas estruturas arqueológicas, não necessariamente a nível de investimento, mas mais no sentido de não as demolir. Na Província do Norte, em muitas aldeias, as ruínas das casas-torre eram aproveitadas como casas-de-banho públicas para as aldeias. De modo geral, fica sempre qualquer coisa. É esse o grande desafio desta viagem. Ir de aldeia em aldeia, falar com as pessoas e tentar localizar as casa-torre e, se se justificar, proceder ao levantamento tipografico. Comprometi-me a começar um blogue o mais cedo possível e ir actualizando.
Face à crise actual da Arquitectura, muitos jovens arquitectos são aconselhados a apostar na teoria. Corresponde ao seu percurso. Foi uma opção consciente?
Eu desde cedo percebi que não tinha grande jeito para projectar. A partir do terceiro ano, comecei a enveredar mais pela história e crítica. Quando fui estudar para Goa, em 2001, comecei a interessar-me pelo património indo-português. Falando muito francamente, senti que havia um nicho de mercado para estes temas. É um campo muito vasto e pouca gente já fez doutoramentos nesta área. Para além das minhas raízes, que também contruibuíram para eu ir para a Índia, foi essencialmente quando visitei Velha Goa que senti que tinha vontade de aprofundar estes temas. Há uma tendência para a teoria porque é insustentável construir ao ritmo a que se construiu. Há um período muito mau, o dos anos 80, 90, de concessão urbana sem regras. Pessoalmente, neste momento exercia a profissão ao contrário: demolindo edifícios. Às vezes, o que gostava de fazer era ter um escritório só dedicado à demolição de edifícios.