Hitler na escola

O cartaz acabou por ser retirado, não por iniciativa da direcção da escola ou de um repúdio generalizado, mas pelo protesto de um único professor, que, para além de exprimir a sua indignação junto da docente que autorizou tal cartaz, exigiu da direcção da escola que o mesmo fosse retirado. O que veio efectivamente a acontecer, juntamente com um pedido de desculpas da professora em questão, afirmando que "não fazia ideia de que o mesmo iria provocar tanta susceptibilidade”. Doce inocência, tranquila ignorância…

Na verdade, não sabemos se é de ignorância que se trata ou de convicções ideológicas. Mas inclino-me mais para a primeira hipótese: no estado da educação em Portugal consequência das inúmeras e sempre mais “inovadoras” reformas do sistema educativo desde o 25 de Abril, do baixo nível de cultura geral de grande parte dos professores – com honrosas e importantes excepções –, da subalternização durante décadas das disciplinas de Ciências Humanas, em nome da “eficácia” e do “sucesso” das carreiras profissionais, a ignorância é certamente a hipótese mais plausível – mas totalmente inadmissível. É absolutamente inadmissível que alunos do 12.º ano, depois de terem estudado a Segunda Guerra Mundial nos currículos de História, elaborem um cartaz destes; é absolutamente inadmissível que professores de uma escola pública supostamente responsável por ensinar e educar permitam a colocação de um cartaz deste tipo; é absolutamente inadmissível que a direcção da escola não tenha, ela própria, tomado a iniciativa de o retirar imediatamente.

Só que, na realidade, esta ignorância ou ainda mais provavelmente esta indiferença é apenas o reflexo de algo muito mais profundo, muito mais atávico em Portugal e que não data nem de hoje nem do 25 de Abril. É aquilo que nós gostamos de chamar “tolerância” e que mais não é, na maior parte das vezes, indiferença, falta de princípios, desprezo pelas ideias e pelas convicções. Em nome de uma liberdade de expressão, tão instrumentalizada quanto pervertida, não se entende que sem ética nem moral esta não passa de um relativismo esvaziado de sentido. Sob a cómoda e aparentemente tão tolerante expressão “cada qual é livre de dizer o que quiser” esconde-se na maior parte das vezes a indefinição ética, a recusa tacticista de tomar partido, a indiferença e a contemporização com o inadmissível. É este encolher de ombros que levou o historiador Ian Kershaw a escrever que “a estrada de Auschwitz foi construída pelo ódio, mas o seu pavimento foi a indiferença”.

Exagero? Talvez, mas é com este encolher de ombros, em nome do “contraditório” (?!), do “Estado de direito e democrático” ou citando de peito cheio a famosa frase “Não concordo com o que diz, mas defenderei até à morte o seu direito de o dizer” que se defende a contratação do engenheiro Sócrates pela televisão pública portuguesa, sem se perceber que o que está em causa não é “o que ele diz”, mas a total imoralidade quer do convite, quer da sua aceitação. O ex-chefe do Governo de Portugal que durante seis anos nos conduziu de vitória em vitória até à situação actual, que fugiu para França e das responsabilidades que nunca reconheceu, e cujo único comentário que exprimiu a propósito do Memorando – que ele próprio assinou – foi que as dívidas não são para pagar, esse homem não merece um espaço de autopromoção numa televisão que é paga com o dinheiro dos contribuintes. No momento difícil que o país atravessa, esta contratação é escarnecer dos portugueses. Se não se percebe que ela nada tem a ver com a liberdade de expressão, é porque não se entende nada nem de ética, nem de princípios, e muito menos de liberdade.
 

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