Tribunal impede Fernando Seara de ser candidato às eleições autárquicas
Providência cautelar apresentada pelo movimento cívico Revolução Branca teve decisão favorável. Assinatura do acordo de coligação entre o PSD e o CDS em Lisboa foi reagendada para "data oportuna". Seara vai recorrer. Há mais sete acções judiciais em curso, incluindo contra Luís Filipe Menezes, candidato ao Porto.
"Ainda não fui notificado e não sei as razões e fundamentos da aceitação e do provimento da providência cautelar. É evidente que irei analisar e com certeza irei recorrer para o Tribunal da Relação", afirmou à Lusa o candidato da coligação PSD-CDS (que inclui o PPM e o MPT) às autárquicas deste ano.
A decisão, tomada pelo 1.º juízo cível (3.ª secção), foi confirmada ao PÚBLICO pelo líder do Movimento Revolução Branca, Paulo Romeira, que classifica a posição do tribunal como "um sinal para a classe política".
Por outro lado, a sessão de assinatura do acordo de coligação entre o PSD e o CDS em Lisboa, a que se juntaria o Movimento Partido da Terra e o Partido Popular Monárquico, e que estava marcada para quinta-feira, foi reagendada para "data oportuna", segundo informação divulgada pelas estruturas de apoio à candidatura.
O PSD já assumiu publicamente que também pretende recorrer da decisão, com o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, a afirmar que o Tribunal Constitucional terá oportunidade de "uniformizar" posições relativamente à lei da limitação de três mandatos autárquicos consecutivos. "Todos sabemos que esta decisão é passível de recurso e todos sabemos também que haverá oportunidade de, no decurso deste ou de outros processos que venham a ocorrer neste âmbito, haver uma pronúncia do Tribunal Constitucional que, creio, poderá uniformizar a posição relativamente a este assunto."
Também o líder da comissão política distrital social-democrata de Lisboa, Miguel Pinto Luz, afirmou, citado pela Lusa, que o PSD se prepara para recorrer para as instâncias judiciais superiores: "O nosso entendimento não é este, por isso, vamos recorrer para as instâncias superiores [Tribunal da Relação]. Nós continuamos a acreditar que as candidaturas são possíveis e iremos argumentar nesse sentido."
O presidente da distrital do PSD de Lisboa considerou ainda que esta decisão "é um contratempo" na candidatura à presidência da Câmara de Lisboa, mas que Fernando Seara é "o melhor candidato" para liderar a capital. E lembrou que a candidatura de Seara ainda não foi formalizada, mas que "urge clarificar" a lei de limitação de mandatos, acusando o PS de "tacticismo" por não o ter querido fazer.
O CDS, que integra a coligação de apoio à candidatura de Seara a Lisboa, ainda não tem uma posição fechada face a esta decisão. Assim, o deputado e presidente da distrital de Lisboa, Telmo Correia, ressalvou que o seu partido "não tem posição oficial" sobre a interpretação da lei de limitação de mandatos. Mas admite que o CDS possa acompanhar o PSD no pedido de recurso: "É uma decisão que, nesta fase ainda, é obviamente recorrível. O próprio potencial candidato já disse que recorreria. É natural que o CDS venha a acompanhar esse recurso e aguardaremos com naturalidade pela decisão dos tribunais", declarou Telmo Correia no Parlamento.
Para além dos partidos que apoiam a candidatura de Seara à capital do país, também PS, PCP e BE já manifestaram a sua posição face à decisão do Tribunal Cível de Lisboa.
Os socialistas, pela voz do deputado Mota Andrade, frisaram que o PS "não comenta decisões dos tribunais", mas que esta, em particular", "em nada interfere também com a vida do PS, que decidiu há muito, por razões políticas, não recandidatar nenhum dos presidentes de câmara que têm três ou mais mandatos". Mota Andrade concluiu assim que "este é um problema de outras forças partidárias", referindo-se ao PSD e ao CDS.
Já da parte do PCP, em declarações à Lusa, o candidato da CDU à autarquia de Lisboa, o eurodeputado comunista João Ferreira, diz estranhar a decisão, notando que "o tribunal não se pronuncia sobre uma candidatura, mas sobre uma intenção de candidatura” que ainda não existe em termos formais.
João Ferreira questiona assim a “utilidade e o sentido desta decisão, porque não há candidatura” e argumenta que a “limitação de mandatos levada a um extremo absoluto constitui uma expropriação de direitos e garantias políticas essenciais dos cidadãos”.
Pelo BE, o coordenador João Semedo classificou esta decisão como "natural", acrescentando que corresponde às expectativas do partido, que defende que os autracas atingidos pela limitação de mandatos num determinado concelho não se podem apresentar como candidatos em outros.
"Os tribunais devem decidir de acordo com a lei e de acordo com a Constituição. A lei é muito clara: Um presidente de Câmara não pode candidatar-se se tiver cumprido três mandatos sucessivos", disse João Semedo.
O coordenador do Bloco criticou ainda a posição dos que insistem em apresentar candidatos que não contribuem para uma saudável renovação democrática: "Se há partidos que, por conveniência partidária, querem insistir em apresentar candidatos que não podem à luz da lei e da Constituição ser candidatos, esse é um problema desses partidos. O BE entende que em nome da renovação democrática da vida política é bom que ao fim de três mandatos um presidente de Câmara não possa voltar a ser candidato a qualquer outra Câmara".
Oito acções
O Movimento Revolução Branca apresentou oito providências cautelares para impedir candidaturas de autarcas que já cumpriram pelo menos três mandatos num município e agora querem candidar-se noutro concelho. Além de Fernando Seara, o movimento apresentou acções contra as candidaturas de Luís Filipe Menezes (PSD-Porto), Fernando Costa (PSD-Loures), António Sebastião (PSD-Beja), Francisco Amaral (PSD-Castro Marim), Pedro Lancha (PSD-Estremoz), José Estevens (PSD-Tavira) e João Rocha (CDU-Beja). Entretanto, como o PÚBLICO noticiou a 2 de Março, António Sebastião e Pedro Lancha recuaram na intenção de se candidatarem.
Paulo Romeira promete que o movimento continuará a contestar nos tribunais as candidaturas dos chamados "autarcas dinossauros" que pretendem candidatar-se noutros municípios, "seja qual for o partido político envolvido". Das oito acções apresentadas nos tribunais, esta é a primeira em que há uma decisão efectiva. Mas, segundo informações recolhidas pelo PÚBLICO, em Loures, o juiz tinha optado por não se pronunciar sobre a questão, alegando que o período eleitoral ainda não estava aberto. Pedro Pereira Pinto, vice-presidente e advogado do movimento, acrescentou à TVI que em Estremoz e Beja os juízes também consideraram que ainda não era tempo de pronunciarem. A lei de limitação de mandatos tem suscitado interpretações diferentes. Uma das questões diz respeito ao uso da expressão "presidente de câmara" e não "presidente da câmara", no artigo 1.º "O presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos, salvo se no momento da entrada em vigor da presente lei tiverem cumprido ou estiverem a cumprir, pelo menos, o 3º mandato consecutivo, circunstância em que poderão ser eleitos para mais um mandato consecutivo." A providência cautelar interposta contra o PSD e Luís Menezes, autarca em Gaia e candidato do PSD no Porto, refere que o anteprojecto da Lei 46/2005 escrevia "presidente da câmara" e não "presidente de câmara". Se fosse mantida a redacção inicial, "não existiriam dúvidas que o que estava em causa não era o exercício de funções em si, mas sim o exercício das mesmas numa dada câmara". Assim, "o candidato só estaria inibido a um quarto mandato consecutivo na câmara em questão". Como o "da" foi trocado pelo "de", o Movimento Revolução Branca conclui que "o legislador quis deliberadamente afastar tal realidade geograficamente limitada a um mero local". A alteração, acrescenta, "foi feita em sede de processo legislativo e como tal resulta clara a vontade do legislador em se expressar desta forma". O provedor de Justiça tomou uma posição sobre este assunto, recomendando ao Parlamento que clarifique eventuais dúvidas sobre a chamada "Lei de Limitação de Mandatos". Paulo Romeira, eleitor em Esmoriz, distrito de Aveiro, salienta que esta luta judicial corresponde a um dos objectivos do movimento, que "procura a dignidade da política". "Não somos contra os partidos políticos, somos contra esta classe política, que muda as leis em seu benefício", declara ao PÚBLICO Paulo Romeira. "Isto é uma demonstração clara de que o país não é feito só de palhaços. Também há pessoas que conseguem demonstrar que estão atentas", insiste o líder do movimento, que critica também o Presidente da República, Cavaco Silva, por ter tentado "condicionar os tribunais" nesta matéria. O mesmo responsável alude à posição divulgada por Cavaco Silva quando detectou a diferença entre o que foi aprovado no Parlamento e o texto posteriormente publicado em Diário da República.
Que efeitos noutros concelhos?
A 22 de Fevereiro, foi noticiado que os serviços da Presidência da República identificaram um erro no texto publicado em Diário da República sobre a controversa Lei da Limitação de Mandatos, de 2005, com a troca de um “de” por um “da”. A diferença estará na delimitação geográfica que a expressão encerra: se for "presidente de câmara" faz-se referência à função, mas se for "presidente da câmara" pode entender-se que se refere apenas à autarquia específica em que existe a acumulação de mandatos. É precisamente essa a questão que está a ser colocada politicamente e nos tribunais: pode um autarca que cumpriu três mandatos numa autarquia vir a candidatar-se a outra nas eleições seguintes?
A decisão tomada pelo Tribunal de Lisboa afecta apenas o caso de Fernando Seara e nada obriga a que os juízes que vão avaliar as outras acções decidam no mesmo sentido. Mas Pedro Pereira Pinto, advogado do Movimento Revolução Branca, argumenta que a decisão do Tribunal de Lisboa "dará luzes importantes para os outros magistrados", confessando até que a peça "foi além" dos argumentos apresentados pelo movimento. O advogado revelou ainda que já está agendada para 2 de Abril, às 13h30, a decisão sobre a acção apresentada em Tavira. E que foi notificado para se pronunciar sobre a contestação apresentada pelo PSD no Porto, prevendo que haja uma decisão sobre a candidatura de Luís Filipe Menezes "nos inícios de Abril".
"O argumento usado pelo Tribunal em Loures foi o de que a candidatura ainda não foi formalizada. Em Lisboa, o entendimento foi diferente", acrescentou, referindo-se à providência cautelar interposta também pelo Movimento Revolução Branca.