O que explica cientificamente o comportamento canino, no que toca à agressividade? A ciência tem uma palavra a dizer quanto a este assunto que tem vindo a ser discutido em sociedade. Ouvimos falar em raças potencialmente perigosas. Contudo, de acordo com Liliana de Sousa, docente de Etologia Animal do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), a expressão referida é "muito pouco científica".
“Todos os cães são potencialmente perigosos”, acrescenta. A nível científico, existe o factor genético, ou seja, os cães têm circuitos cerebrais programados geneticamente que podem condicionar o comportamento agressivo, mas depois há o factor ambiental não menos importante. Este factor ambiental é constituído pelos “inputs” do meio. Segundo Liliana de Sousa este é particularmente pertinente em “períodos sensíveis durante os quais se devem viver experiências adequadas”.
Nos períodos mais precoces da vida do cão, independentemente da raça, deve-se fazer a socialização. O circuito cerebral vai adaptar-se e moldar-se a esse mesmo factor: estar em sociedade. “Os primeiros três meses são cruciais. Por exemplo, se queremos que o cão viva com uma criança, então, durante esse tempo, deve estar logo em contacto com ela”, exemplifica. Se, pelo contrário, o animal estiver num ambiente hostil e de isolamento, terá um comportamento agressivo. “Os circuitos do sistema nervoso recolhem essa informação do meio ambiente e formam-se de acordo com este”, clarifica a docente.
Conhecemos estes mesmos dados através da investigação feita em ratinhos que o comprova. Uma das conclusões foi que os ratos desenvolvidos em isolamento, quando adultos, provocam e sofrem mais lesões do que os criados em ambiente normal.
O ideal para o cão, de acordo com o que sublinha a especialista, é estar com a progenitora durante os primeiros três meses de vida, dado que esta irá corrigir o seu comportamento, adaptando a cria ao ambiente social. “A seguir a esse período é necessário que o futuro dono continue o trabalho de socialização, através do contacto com outros animais, ou através do contacto desde cedo com crianças”, adianta. “As crianças têm movimentos atabalhoados e, por isso, é necessário que o cão se habitue a eles. Se ele nunca viu uma criança, não a vai identificar pelo seu comportamento como um ser humano”, acrescenta.
A importância do olfacto
Curiosamente, ainda dentro do tema da agressividade, a ela está associada a capacidade de olfacto do cão. É importante, por isso, por exemplo, que nos demos a cheirar antes de afagarmos o pelo de um cão que não conhecemos. Isto porque eles conseguem identificar se estamos ou não com medo e reagir de acordo com isso.
Quando sentimos medo, libertamos vários tipos de feromonas que são substâncias químicas captadas através do olfacto. Esta capacidade de as detectar é comum a vários mamíferos. Para nós, seres humanos, o sentido do olfacto não é primordial, uma vez que o usamos pouco em detrimento, por exemplo, da visão.
Mas para mamíferos como os cães é fundamental. “A via olfactiva é para os cães muito importante a nível da comunicação. As feromonas dão indicações de determinados estados, como por exemplo o medo”, esclarece Liliana de Sousa.
“O que acontece quando temos medo é que há um nível de testosterona mais baixo e um nível elevado de ACTH (hormona adrenocorticotrófica)”, explica. Grandes quantidades de testosterona estão associadas, pois, à agressividade, enquanto que o ACTH está relacionado com os níveis de stress e de ansiedade.
Quando estamos com medo há uma interacção entre esse medo e a agressividade, percepcionada pelo cão através de uma determinada quantidade de feromonas que dão a conhecer o estado hormonal de um outro mamífero, neste caso, o ser humano.
"Numa situação de stress existem duas reacções: a fuga ou o ataque. Se a pessoa ou o animal não tiver como fugir, então pode usar o ataque para se defender", clarifica a docente. É por esta razão que, apercebendo-se do medo no ser humano ou num outro animal, o cão pode reagir de forma agressiva.