"Que Deus vos perdoe pelo que acabaram de fazer", disse o novo Papa aos cardeais
Francisco começou o dia de quinta-feira a rezar na Basílica de Santa Maria Maior. Logo depois da eleição, rejeitou o carro que lhe tinham preparado e seguiu com os outros cardeais, num pequeno autocarro, para a Casa de Santa Marta.
O Papa Francisco começou o dia de quinta-feira a rezar, em privado, na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, onde chegou pouco depois das 7h da manhã e rezou na Capela Paulina. Foi a primeira aparição do líder católico, após a eleição, na quarta-feira.
"Ficou 20 minutos frente à antiga representação da Virgem e depôs um ramo de flores, muito simples", contou à AFP Giuseppe, um dos cerca de 15 seminaristas, religiosos e sacerdotes que acompanharam o momento. "Estava de batina branca, sapatos negros e não vermelhos, anel de cardeal e uma cruz de prata."
O novo Papa rezou durante uma dezena de minutos, antes de se recolher na capela onde Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, celebrou a sua primeira missa, no Natal de 1538. No fim da oração, saudou todas as pessoas presentes e o pessoal da basílica. "Rezem pelo Papa", pediu-lhes, antes de se despedir, cerca de meia hora depois de ter entrado.
Segundo a AFP, tinha já orado à Virgem antes de aparecer à multidão na Praça de S. Pedro, na quarta-feira; no caminho desde Capela Sistina parou na Capela Paulina do Vaticano e rezou junto a um ícone dourado, Sales Populus Romana, que, segundo a tradição, foi pintado pelo evangelista Lucas.
Francisco chegou com uma pequena comitiva de dois carros de serviço do Vaticano, acompanhado, entre outros, por Georg Gänswein, secretário particular do seu antecessor, Bento XVI, segundo um jornalista da agência AFP. Gänswein é também prefeito da casa pontifical. Viajou numa viatura sem a matrícula reservada aos pontífices, a CV1, o que confere com a imagem de modéstia que lhe é atribuída. Estavam à sua espera algumas dezenas de pessoas, principalmente jornalistas e e fotógrafos. À saída, saudou alunos que o saudavam das janelas de uma escola.
O novo líder da Igreja Católica, argentino, passou a primeira noite após a eleição na Casa de Santa Marta, onde também ficaram alojados os cardeais que participaram no conclave. Segundo um fotógrafo citado pela agência, Francisco recusou na quarta-feira usar o carro que o esperava para o levar a Santa Marta, após a eleição, e regressou num pequeno autocarro, na companhia de outros cardeais.
O primeiro Papa latino-americano da história celebra o seu primeiro Angelus no domingo e será oficialmente entronizado numa missa marcada para a próxima terça-feira na Basílica de S. Pedro.
O arcebispo de Buenos Aires foi o principal adversário de Joseph Ratzinger na eleição de 2005, tendo chegado a reunir 40 votos dos cardeais eleitores, recorda John Allen no perfil que traçou de Bergoglio para o National Catholic Reporter. Oito anos volvidos, terá sido o candidato de consenso depois de afastados outros nomes dados como favoritos.
Filho de pai italiano, um ferroviário, oriundo da região de Turim, e de mãe dona de casa, tem quatro irmãos. Bergoglio estudou Teologia na Alemanha e desempenhou vários cargos administrativos na Cúria, o que lhe permite criar pontes entre os dois continentes com mais influência na Igreja Católica.
Bergoglio estudou Engenharia Química. Mais tarde, quando perdeu um pulmão devido a uma doença respiratória, resolveu seguir o sacerdócio. E agora é o primeiro Papa não europeu desde o ano 752.
Ascensão em plena ditadura
Nascido em Buenos Aires, em 1936, só seguiu o sacerdócio aos 32 anos. Após a ordenação dedicou os anos seguintes a ensinar Literatura, Psicologia e Filosofia, antes de assumir, na década de 1970, o cargo de provincial da Companhia de Jesus na Argentina. O país vivia então sob ditadura e, enquanto muitos jesuítas se aproximavam da Teologia da Libertação e viam no movimento progressista uma forma de oposição aos generais, Bergoglio insistiu para que se mantivessem fiéis aos princípios espirituais da companhia e se dedicassem ao trabalho pastoral, escreve Allen.
A ascensão religiosa de Jorge Mario Bergoglio coincidiu com um dos períodos mais obscuros da Argentina: a ditadura militar (1976-1983). Foi acusado de não proteger dois jesuítas que foram sequestrados clandestinamente pelo governo militar, por fazerem trabalho social em bairros de extrema pobreza. Ambos os padres sobreviveram a uma prisão de cinco meses.
O caso é relatado no livro Silêncio, do jornalista Horacio Verbitsky, também presidente da entidade privada defensora dos direitos humanos CELS. A publicação leva em conta muitas declarações de Orlando Yorio, um dos jesuítas sequestrados, antes de morrer em 2000.
"A história condena-o: mostra-o como alguém contrário a todas as experiências inovadoras da Igreja e, sobretudo, na época da ditadura, mostra-o muito próximo do poder militar", disse há algum tempo o sociólogo Fortunato Mallimacci, ex-decano da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires.
Os defensores de Bergoglio dizem que não há provas contra ele e que, pelo contrário, o novo Papa ajudou muitos a escapar às Forças Armadas durante os anos de repressão no seu país, tendo mesmo usado um encontro com o general Videla para interceder em defesa das vítimas da ditadura.
Primeiro jesuíta a comandar Igreja Católica
Como bispo auxiliar (desde 1992) e depois como arcebispo de Buenos Aires (desde 1998), o cardeal manteve sempre uma posição conservadora em termos teológicos, sendo considerado próximo do movimento Comunhão e Libertação, grupo católico com grande influência junto da política italiana. Será também o primeiro jesuíta a assumir o trono de S. Pedro.
No Vaticano, longe de possíveis polémicas dos tempos de ditadura, é esperado que o cardeal sul-americano, silencioso e tímido, conduza a Igreja Católica com firmeza e com uma clara preocupação social.
"Ele é capaz de fazer a necessária renovação sem saltos para o desconhecido. Será uma força de equilíbrio", disse à Reuters Francesca Ambrogetti, co-autora da biografia de Bergoglio, após uma série de entrevistas durante três anos.
"Ele partilha da visão de que a Igreja Católica deve ter um papel missionário, que sai ao encontro das pessoas, que é activa... Uma Igreja que não se preocupa tanto em regular a fé, mas sim em promovê-la e facilitá-la", acrescenta Ambrogetti.
Um ortodoxo contra aborto e casamento gay
O novo Papa é também destacado pela preocupação com os mais pobres. O Guardian escreveu que, em 2001, quando João Paulo II o nomeou cardeal, Bergoglio pediu aos fiéis que, ao invés de se deslocarem a Roma, distribuíssem o dinheiro da viagem entre os mais pobres. Durante a crise económica que atingiu a Argentina, surgiu como uma voz da consciência nacional e, por várias vezes, tem alertado para as consequências da globalização desregrada para os que já sobrevivem com muito pouco.
É também destas críticas que resultou a sua má relação com o casal Kirchner. O ex-Presidente Nestor Kirchner chegou a considerar o então arcebispo como "o verdadeiro representante da oposição".
Com Cristina Kirchner, que sucedeu ao marido na Presidência da Argentina, a relação também não tem sido fácil, tendo atingido um pico de conflitualidade quando foi aprovado o casamento gay no país. Apesar destas diferenças, a actual Presidente já disse que vai estar em Roma, na terça-feira, na cerimónia de inauguração do pontificado do Papa Francisco.
Ao longo dos anos, Jorge Mario Bergoglio deu prova da sua ortodoxia, manifestando também a sua oposição incondicional ao aborto e à contracepção ou à adopção por casais homossexuais. Em 2010, escreve o Guardian, quando a Argentina se tornou o primeiro país latino-americano a legalizar o casamento gay, o cardeal afirmou que a alteração legislativa representava uma forma de discriminação de crianças que, disse, deveriam ter o direito a ser educadas por um pai e uma mãe. Ainda assim, admite o recurso ao preservativo para impedir doenças infecciosas – ficou famosa a sua visita, durante as cerimónias pascais de 2001, a um hospital para lavar e beijar os pés de 12 doentes com sida.
Modesto, tímido, fã de futebol e literatura
É conhecido também pela timidez e modéstia – Allen recorda que recusou viver no palácio apostólico, que trocou por um apartamento na capital argentina, dispensou a limusina (prefere viajar de autocarro e metro).
"O seu estilo de vida é sóbrio e austero. É a forma como vive. Viaja de metro, de autocarro e quando vai a Roma voa em classe económica", conta Francesca Ambrogetti.
"Sempre foi uma pessoa simpática e acessível", contou à Reuters Roberto Crubellier, empregado de uma igreja na Baixa de Buenos Aires, onde Bergoglio costumava ir.
O homem simples que cozinha as suas próprias refeições gosta de tango e literatura, principalmente dos autores clássicos.
E é também um apaixonado por futebol. É adepto do San Lorenzo de Almagro, de que é inclusivamente sócio. Gosta de ir ver os jogos da sua equipa, algo que agora terá mais dificuldades em fazer.