Avaliação docente em Portugal não corresponde às boas práticas propostas pela OCDE

Relatório chama a atenção para a “combinação mal sucedida” existente em alguns países entre os resultados obtidos pelos docentes na sua avaliação e aqueles que são alcançados pelos estudantes.

Foto
Incapacidade e desânimo não contribuem para a melhoria das aprendizagens, alertam professores de Matemática Miguel Madeira

Em Portugal, devido à forte contestação de sindicatos e movimentos de professores, foi deixada cair a proposta de Maria de Lurdes Rodrigues no sentido de os resultados dos alunos contarem para a avaliação docente, e a observação das aulas passou a ter, em regra, um carácter facultativo.

No seu relatório Teachers for the 21st Century – Using Evaluation To Improve Teaching [Professores para o século XXI – Usar a avaliação para melhorar o ensino], a OCDE parte do princípio enunciado no título: o de que a avaliação docente deve contribuir para a melhoria do sistema de ensino e não apenas para a progressão na carreira. Frisando que “os resultados obtidos pelos estudantes são o critério essencial para o sucesso de um sistema de ensino” e que os “professores contam” no que respeita ao sucesso académico dos estudantes, a OCDE dá conta de que continua a existir, em alguns países, uma “combinação mal sucedida” entre os resultados obtidos pelos docentes na sua avaliação e aqueles que são alcançados pelos estudantes.

“Em alguns países, a grande maioria dos professores obtém as classificações mais altas na avaliação docente desenvolvida a nível nacional e, no entanto, o desempenho dos estudantes é insatisfatório”, constata-se no documento que antecede a realização da Terceira Cimeira Internacional sobre a Profissão Docente, que decorrerá no próximo dia 13, em Amesterdão.

Esta é a situação que se vive em Portugal. Segundo a OCDE, “esta combinação insatisfatória entre a mensagem enviada aos professores e o desempenho do sistema educativo no que respeita aos resultados obtidos pelos alunos reforça a importância de se utilizar sistematicamente os resultados dos alunos na avaliação dos docentes”.

Uma medida que chegou a estar contemplada no primeiro modelo de avaliação docente proposto pela ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, mas que foi deixada cair na sequência da forte contestação que motivou. Nuno Crato já revelou que é partidário desta ligação, mas admitiu que não existem ainda condições para aplicá-la.

"Não estamos ainda em condições de avaliar de uma forma objectiva os resultados dos alunos em todas as disciplinas, uma vez que nem todas são sujeitas a exames", explicou durante a negociação do modelo de avaliação actualmente em vigor. Aplicando esta medida sem que esteja generalizada a aplicação deste instrumento de avaliação externa corre-se o risco de que esta seja um "incentivo à inflação das notas pelos professores", acrescentou.

No seu relatório, a OCDE reconhece que será sempre difícil “identificar o contributo específico de um professor no desempenho dos alunos”, uma vez que a aprendizagem é um processo “influenciado por muitos factores”. “O efeito que os professores têm nos alunos é também cumulativo”, recorda-se, frisando que os alunos “não são só influenciados pelos seus professores actuais, como também pelos que tiveram antes”.

Nesse sentido, defende-se a importância de se desenvolverem modelos que permitam seguir o trajecto individual de cada aluno durante toda a sua permanência no sistema educativo, através dos quais seja possível também identificar o contributo de cada professor.

Observação das aulas
Estando em alta a constatação de que “a qualidade dos professores influencia os resultados dos estudantes”, onde poderá esta ser melhor avaliada do que em sala de aula? É aqui, “quando os professores interagem com os seus alunos”, que são revelados “muitos dos aspectos centrais da prática de ensinar”, o que leva a que “a avaliação docente esteja firmemente ancorada na observação das aulas” por outros professores ou avaliadores externos. É o que se passa “em quase todos os países" analisados. Portugal é a excepção destacada neste relatório, uma vez que, salvo alguns casos, “a observação das aulas é um dos itens facultativos na avaliação docente".

No modelo de avaliação adoptado pelo actual Governo a observação de aulas será feita por avaliadores externos (no anterior estava a cargo de professores da mesma escola) e é obrigatória para os professores que estão no primeiro ano da sua actividade, para os que estejam nos 2.º e 4.º escalões da carreira docente, para os que se candidatam a um “excelente” ou que tenham tido a menção de “insuficiente” na última avaliação. Este procedimento deveria ter sido iniciado já este ano lectivo, mas o Ministério da Educação e Ciência (MEC) decidiu adiá-lo para o próximo de modo a garantir que os avaliadores externos tenham formação para o efeito.

Em Novembro passado, o Conselho das Escolas, um órgão consultivo do MEC que representa os directores, pediu a imediata suspensão do processo de avaliação, alegando, entre outras razões, dificuldades com a observação de aulas.

Numa entrevista ao PÚBLICO, em Maio passado, o analista da OCDE Paulo Santiago, que coordenou o relatório sobre a avaliação no sistema de ensino português, frisou que Portugal é mesmo “um caso extremo” na organização, uma vez que “não existe ainda nas escolas uma cultura de porta aberta, permitindo que professores observem aulas de outros colegas”. Portugal é também “quase um caso único” na OCDE no que toca à “relutância de professores e dos próprios directores em fazer um juízo profissional sobre outros colegas”, acrescentou.

Segundo um inquérito realizado em 2008, cerca de 30% dos professores portugueses indicaram nunca ter sido avaliados ou recebido qualquer feedback sobre o seu trabalho por parte de outros colegas ou do director da escola.

Sugerir correcção
Comentar