Quando Ana Maria Pinto cantou o “Acordai”, no dia 21 de Setembro de 2012, de caras para o palácio presidencial de Belém, algo mudou. “Senti que a cultura representa a nossa verdade. E é isso que nos falta: um sentido de verdade, de justiça.” As palavras de José Gomes Ferreira pareciam “feitas de luz”, recorda a cantora lírica: “Aquilo mexeu comigo; aquilo é que fez de mim a activista.”
O Coro de Intervenção do Porto surgiu pouco depois. Foi a resposta de Ana Maria Pinto - a activista, cantora lírica, trabalhadora a recibos verdes - ao Portugal que encontrou em 2012, depois de sete anos a viver em Berlim. Ana canta pelo sonho de viver e ser feliz em Portugal e porque acredita num país mais justo e livre.
Foi isso que a levou a Belém, que a tinha levado a interromper o Presidente da República, Cavaco Silva, durante a cerimónia de comemoração do 5 de Outubro, que a vai levar à rua este sábado, 2 de Março.
Desta vez – tal como aconteceu na discreta manifestação de 2 de Fevereiro –, Ana Maria Pinto não vai estar sozinha. O Coro de Intervenção do Porto vai reunir-se à porta do cinema Batalha (15h00) e daí segue para onde a manifestação o levar, com as históricas canções de Fernando Lopes Graça e outras músicas de intervenção ("Grândola" incluída) no reportório.
Trabalho a recibos verdes
O protesto de Ana Maria Pinto é também pela escassez de trabalho para os profissionais de música erudita. E, mais do que isso, para a precariedade de quem vive da cultura. Ana trabalhou sempre a recibos verdes, sistema que acredita que devia terminar, e há tempos confessou ao P3 fazer parte das pessoas que recebeu uma carta da Segurança Social com um aviso de dívida à instituição.
“É uma questão de opções: ou se paga à Segurança Social ou se pagam os transportes, a comida, ou seja lá o que for. Quando se recebe 500 euros por mês, o que se vai fazer?”, lamentou. Para quem vive no Porto, como Ana Maria Pinto, o desafio é duplo: “Há trabalho, sobretudo, em Lisboa. E esse é outro dos meus projectos e propósitos: descentralizar a cultura.”
O Coro de Intervenção do Porto conta já com uma média de 25 pessoas nos ensaios, que decorrem todas as terças e quintas-feiras, às 21h30, no Grupo Musical de Miragaia, e contam com participantes entre os 9 e os 60 anos. Armando Pinto, o pai da cantora lírica fundadora do Coro, é o mais velho do grupo e foi lá ter arrastado pela filha. “Sempre gostei de cantar... E estamos numa situação má, temos de lutar”, defende, acrescentando que espera ver a Avenida dos Aliados cheia no dia 2 de Março.
Irene Monteiro, psicóloga de 38 anos, cumpre o seu terceiro ensaio. Sempre quis fazer parte de um coro e um amigo arrastou-a para Miragaia, onde encontrou um grupo com a combinação que procurava, “unido em torno de uma causa, mas sem ideologia marcada”.
"Até ao final da canção estamos juntos”
Todos são bem-vindos ao grupo. “A palavra-passe para entrar no coro é: ‘Mas eu não sei cantar’. Se não sabe cantar, é bem-vindo ao clube”, ironiza Ana Maria Pinto. Aqui, entra a lição “cantar aprende-se” e, mais do que isso, que “quem canta seus males espanta”, acredita a maestrina de 31 anos: “Conheço muita gente que começou a ter aulas de canto e isso mudou-lhes a vida. Cantar também significa liberdade.”
Além da filosofia de intervenção social, o que os une ali é o amor à cultura e à arte. Por isso querem também alargar a intervenção do grupo a actuações pela cidade, longe de manifestações, longe de salas de espectáculo acessíveis a poucos.
“Quando estamos todos a cantar e a libertar a alma há de repente qualquer coisa que surge e que nos une. É um momento absolutamente mágico. Quando estamos todos a cantar em uníssono, estamos juntos. E não há nada a fazer, até ao final da canção estamos juntos.”
É essa “força tremenda” que o Coro de Intervenção do Porto acredita que pode levar às ruas. “Não é por acaso que o Grândola se tornou viral, contra o Grândola não há bastonada. Não são pedras, é a nossa verdade, a nossa cultura.”