Ninguém ganha o Senado nem a Itália
O centro-esquerda conquistou a Câmara dos Deputados, mas nenhum partido teve maioria no Senado: uma aliança improvável ou o regresso às urnas são os dois cenários possíveis.
As duas câmaras do Parlamento italiano têm poderes semelhantes e qualquer governo precisa da aprovação de ambas para entrar em funções.
Coligado com o Esquerda, Ecologia e Liberdade e com outras pequenas formações, o centro-esquerda do Partido Democrático de Pier Luigi Bersani emerge como vencedor na câmara baixa, somando 29,5% dos votos, à frente da direita do Povo da Liberdade, de Silvio Berlusconi, e da Liga Norte, que juntos obtêm 29,1% na Câmara dos Deputados.
A lei eleitoral prevê prémios de maioria. Na Câmara dos Deputados uma diferença de um voto chega para o partido ou bloco mais votado ocupar 55% dos lugares, com 340 parlamentares. No Senado, esse prémio de maioria, os mesmos 55%, é atribuído região a região. E aqui, em vez de contribuir para produzir um vencedor, teve o efeito de impedir que qualquer bloco chegasse à maioria absoluta.
O bloco de Bersani elege 113 senadores, menos do que os 115 obtidos pelo centro-direita. Segue-se o 5 Estrelas, cujos eleitos ocuparão 58 das 315 cadeiras do Senado. Muito atrás, com 18 senadores, surge a Escolha Cívica, grupo de partidos de centro que apoiaram a candidatura do ex-comissário europeu Mario Monti à presidência do governo.
Monti, o actual primeiro-ministro, símbolo das políticas de austeridade que aceitou pôr em prática sem ser eleito, é o grande derrotado (apenas 10,5% para a câmara baixa e 9,1% no Senado).
A maioria absoluta no Senado consegue-se com 158 senadores. Contas feitas, nem o PD aliado a Monti nem o PdL coligado com o homem que liderou o executivo técnico dos últimos 14 meses chegam para a obter.
Na prática, só há três soluções possíveis e todas são improváveis: ou o PD e o PdL se aliam e formam um governo de grande coligação ou os eleitos de Grillo se juntam a um dos dois grandes blocos tradicionais para assegurar a estabilidade de um futuro executivo.
“Sem Grillo será impossível governar”, escreve o diário Corriere della Sera. “Connosco não há inciucio”, responde Grillo, usando a expressão que nasce numa onomatopeia e saiu do dialecto napolitano para passar a referir, em Itália, um acordo entre adversários com o fim único de dividir o poder.
“Vão fazer uma grande coligação e conseguirão sobreviver por alguns meses. Estão falidos”, sentenciou o comediante profissional, que promete “mandar os políticos para casa”, pôr “a honestidade na moda” e mudar o país com uma “revolução cultural”.
Os comentadores sentenciam que os italianos terão de voltar a votar, nem que seja só para eleger o Senado (nunca aconteceu, mas está previsto na Constituição), nem que seja só depois destes eleitos aprovarem uma nova lei eleitoral – a actual, da autoria da Liga Norte (quando esteve no governo com Berlusconi, entre 2001 e 2006), ainda não foi mudada porque os partidos nunca se conseguiram pôr de acordo sobre uma nova.
Cabe ao Presidente da República, Giorgio Napolitano, ouvir os líderes e depois nomear um deles para que tente formar governo.
O PD já disse que assume essa responsabilidade, enquanto vencedor na Câmara dos Deputados. “Vamos gerir os resultados no interesse da Itália”, prometeu Bersani, numa intervenção iniciada já no início da madrugada de terça-feira. “O centro-esquerda venceu a Câmara e por número de votos também venceu o Senado. É evidente para todos que esta é uma situação delicadíssima para o país.”
O PdL, de Berlusconi, diz que é uma loucura mandar os italianos de novo para as urnas. Berlusconi, adivinha-se, vai dizer-se disposto a dar lugar a Angelino Alfano, secretário-geral do partido que fundou, numas eventuais negociações, garantindo assim que não será a sua presença numa coligação a impedir qualquer acordo. “Uma grande coligação? Estamos disponíveis”, disse Alfano. Talvez isso chegue, talvez não.