David Bowie encarna o mundo enfermo de hoje

The Next Day parece reflectir a esterilidade do universo contemporâneo em canções rock maioritariamente densas e musculadas. A 11 de Março nas lojas, e a partir desta sexta-feira em streaming no iTunes.

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A imagem do vídeo The Stars (are out tonight)
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A capa do álbum
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A foto de promoção do regresso de David Bowie DR

Há momentos em que se deve parar. E há outros em que se é obrigado a fazê-lo, como aconteceu a David Bowie, em 2003. No seu caso, o efeito resultou, regressando com uma vitalidade que muitos não esperariam. É talvez isso que surpreende, em primeiro lugar, no novo álbum: o vigor. É um álbum de alguém que está profundamente vivo. Um manifesto de alguém que quer dizer que sempre esteve aqui, atento ao que se passa, relendo o seu passado e, ao mesmo tempo, perscrutando o mundo, hoje. 

É um disco, do ponto de vista sonoro, pujante. Sim, há temas introspectivos e intimistas (o single Where are we now, a balada épica e melancólica You feel so lonely you could die ou a canção final Heat, que finda com Bowie a cantar “i am a seer, but i am a liar”), mas os instrumentos e a voz estão sempre lá em cima, materializados numa sonoridade metálica, cortante, rock musculado, com guitarras desvairadas, arranjos épicos, e um estado quase constante de altercação, de nervo, de força.

Não é o tipo de disco que venha anunciar, do ponto de vista sónico, novos mundos ao mundo. Mas também não era isso que era previsível. É antes o tipo de objecto que nos devolve características dos seus períodos mais criativos. Essas memórias são, aliás, enunciadas deliberadamente. Já o eram no videoclip de Where are we now. São-no também na capa do álbum, um jogo de espelhos, ou de máscaras, com a memória de Heroes, com a palavra a surgir riscada. Mas não se trata apenas do design ou da imagem.

Também encontramos aqui a urgência e a angústia contidos em alguns dos temas mais emblemáticos do período de Berlim (em particular os álbuns Low e Heroes de 1977), tudo exposto de forma exuberante em termos sonoros, fazendo o que sempre fez: contar histórias. Fixar momentos universais, ou encarnar o espírito de um contexto específico, traduzindo neste caso o mal-estar geral de um mundo enfermo através de histórias particulares, por mais estranhas e abstractas que possam ser, como acontece em canções como (You will) Set the world on fire.

Na canção-título The next day ouvimo-lo num registo quase colérico, como não é muito usual, cantando “here i am, not quite dying, my body left to rot in a hollow tree”, enquanto Dirty boys resulta num ritmo lento, marcial, serrado por guitarras incisivas e um saxofone desprendido. É um dos temas, na companhia do dissonante e inquieto If you can see mee, que parecem evocar as últimas experiências do amigo Scott Walker. 

Canções como Valentine’s day, com arranjos que criam um ambiente envolvente, ou The stars (are out tonight), o segundo single, lançado hoje, são dos temas de mais fácil assimilação, com Bowie a reflectir, com alguma auto-ironia, sobre o estatuto de celebridade. Dancing out in space, com um balanço físico funky, é uma das poucas canções que convidam à celebração, com ele a cantar no refrão: “No one can beat you / dancing out in space.”

Mas aqui não há muito para festejar, a não ser que se queira dançar a angústia à solta num mundo superficial, sublimada pelo som das guitarras ruidosas, dos ritmos áridos e por uma voz mais felina do que nunca.  
 
 
 

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