A designer Margarida Alfacinha, ao ver-se confrontada com uma dívida de 7.500 euros à Segurança Social, por trabalhar a “falsos recibos verdes”, decidiu pintar e vender ao público 375 desenhos para angariar dinheiro e pagar ao Estado.
“Quando uma dívida se torna uma dádiva”, é desta forma que o projecto 375 desenhos é apresentado no blogue criado por Margarida Alfacinha, de 37 anos e mãe de duas crianças, onde dá a conhecer o seu problema. A designer, também artista plástica e gerente de uma loja em Lisboa, explicou à agência Lusa que contraiu a dívida quando “estava numa empresa a tempo inteiro, com um superior hierárquico e horário de trabalho, mas a recibos”, os “chamados falsos recibos verdes”.
“Na altura, com o valor que estava a receber, não tinha possibilidade de pagar [mensalmente] a Segurança Social”, recordou. Margarida Alfacinha assume a dívida como sua e, por isso, quer pagá-la, mas também por achar que é “importante” o seu contributo “para as pessoas receberem as suas pensões, as grávidas irem de licença de maternidade”. “Eu não questiono isso”, sublinhou a designer, que podia optar por recorrer a um empréstimo bancário ou requerer o pagamento por parcelas, “que ia levar juros durante anos e anos”, mas resolveu apelar à criatividade e dividir o valor por desenhos para venda ao público, em local publicitado pelo seu blogue 375desenhos.
20 euros por desenho
“São 375 desenhos, porque multiplicados por 20 euros (um valor simbólico no meio artístico e acessível à maioria das pessoas, que neste momento investem pouco em arte) dá o valor da dívida”, disse à Lusa. Os desenhos, que “no fundo são pinturas”, são únicos, numerados, assinados e trabalhados num formato idêntico, em folhas com 24 por 15 centímetros. Para os realizar, Margarida Alfacinha recorreu a material “que tinha disponível no atelier”. “O processo está a ser feito com o que existe, com o que tenho à mão. Todo este projecto é criado através dos recursos que tenho disponíveis na minha vida”, contou.
Nos dias 16 e 17 de Março, os 375 desenhos estarão expostos na Casa da Achada, em Lisboa. No dia 16 entre as 18h30 e as 24h00 e no dia seguinte entre as 18h30 e as 21h00. Quem for à Casa da Achada nesses dias pode ver todos os desenhos, mas “alguns já estão encomendados” e serão enviados pelo correio quando a mostra terminar.
Margarida está “confiante” que irá conseguir juntar os 7.500 euros: “Acredito muito no poder individual, da criatividade e da força do trabalho. Com trabalho e com persistência, acho que é possível chegar a resultados”. Caso não consiga vender os 375 desenhos, Margarida diz que ficará com a certeza de que está “a tentar fazer alguma coisa para melhorar” a sua vida, para “resolver esta questão” e também “para contribuir para ajudar os organismos e as pessoas”. “Porque a Segurança Social também permite que outras pessoas recebam ajuda por parte do Estado, que lhes é devida”, afirmou.
Em 2009, vários movimentos, entre eles o Precários Inflexíveis e o FERVE (Fartos Destes Recibos Verdes) juntaram-se para criar o “Antes da dívida temos direitos”. Estes movimentos não aceitam que os trabalhadores com dívidas à Segurança Social superiores a 4.000 euros sejam obrigados a liquidar os montantes em causa, atendendo a que muitos destes casos dizem respeito a trabalhadores com “falsos recibos verdes”. Em Janeiro, o Parlamento rejeitou, um projecto do Bloco de Esquerda para combater os falsos recibos verdes e aumentar os poderes da Autoridade para as Condições do Trabalho foi rejeitado pela maioria PSD/CDS-PP e pelo PS, obtendo no entanto os votos favoráveis do PCP, BE e PEV e da deputada do PS Isabel Moreira.