Bestas do Sul Selvagem, primeira longa-metragem do jovem americano Benh Zeitlin, é a última coqueluche saída da cena independente americana. Tem ganho prémios um pouco por todo o lado, de Sundance a Cannes, e também consta da lista para os Óscares, estando nomeado para quatro categorias, entre elas a de melhor filme e a de melhor realizador.
Possui, de facto, algumas características pouco habituais. Digamos que se trata de um exercício de “realismo mágico” nos bayous da Louisiana, onde a presença palpável da natureza, nalguns momentos bastante forte, não inibe o desenvolvimento da narrativa em contornos que são, no fundo, alegóricos - não estamos longe de uma revisão da história do furacão Katrina, e dos seus efeitos, num registo pontuado pela fábula e pelo onirismo (e nem o onirismo “disneyano”, ainda que em imagem retorcida e distorcida, seria de menção completamente despropositada). Se há muitas “bestas” do bayou (caranguejos, crocodilos), também há outras que não vêm do Sul mas do Ártico, e cuja existência é obviamente uma coisa mental, uma coisa de sonho. Quem sonha é a miúda protagonista, Quvenzhané Wallis, nomeada para o Óscar e uma das grandes responsáveis (é ler o que se tem escrito) pela boa recepção do filme. É uma presença dura, arrogante, que foge ao estereotipo dominante das “crianças no cinema”, pelo menos no contexto do actual cinema americano, e a personagem exige-lhe uma mistura de doçura e violência (na relação com os adultos, por exemplo, em especial com o pai) que a rapariga corporiza com a secura exacta.
Se toda esta relação entre paisagem, personagens e imaginário se mantém sempre minimamente interessante, e é o mais forte do filme, nem por isso embarcamos completamente “por este rio acima” (isto também é um pequeno “apocalypse now”) com Benh Zeitlin. Há demasiados efeitos na sua mise-en-scène, demasiadas convenções na sua montagem, que parecem responder e prolongar uma ideia do que é um estilo “independente” - por exemplo, aqueles rápidos reenquadramentos que se tornaram, muito pelas séries de televisão, uma convenção da “urgência” e da impressão de improviso, como que “em directo”. De onde resulta uma euforia visual que em muitos momentos parece excessivamente poluída pela estética publicitária e por uma espécie de “glamourização”, totalmente plástica e artificial, da miséria. É um bocado chantagem, claro, como chantagem (emocional) é o omnipresente uso da música, sempre a dizer ao espectador que ele é uma “besta” se não se deixar envolver e comover com a saga da pequena Hushpuppy. Disso, é impossível gostar.