O caso da vida contado por quem o viveu
O bósnio Danis Tanovic regressa ao concurso de Berlim com uma “ficção do real” sobre o tratamento da etnia roma.
Tanovic ganhou o Óscar do melhor filme estrangeiro com Terra de Ninguém, ambientado na guerra dos Balcãs, mas a sua carreira, entre obras mais ambiciosas com actores internacionais (Os Olhos da Guerra, com Colin Farrell, ou Inferno, segundo um guião de Kieslowski) e filmes locais mais modestos (Cirkus Columbia), não reencontrou embalo.
A eficácia de An Episode in the Life of an Iron Picker pode ajudar Tanovic a regressar à primeira linha, mas o filme parece feito à medida do palmarés de Berlim. O realizador conta um caso verídico que teve lugar há poucos anos na Bósnia: uma mulher que sofreu um aborto natural viu a operação que lhe podia salvar a vida recusada por não estar inscrita na segurança social nem ter dinheiro vivo para pagar a intervenção. O casal é de etnia roma (cigana) e o marido ganhava a vida a desmontar carros para vender como sucata, o que levanta questões importantes sobre o racismo institucionalizado e o tratamento do povo cigano.
Podia ser um panfleto, mas Tanovic coloca em primeiro lugar os particulares do caso específico; nunca sublinha a etnia das personagens, deixa que seja o próprio espectador a fazer a ligação com as questões centrais. E filma a sua história como se fosse um documentário, reconstituindo os acontecimentos com o casal a quem tudo aconteceu realmente, Senada Alimanovic e Nazif Majic (cuja falta de experiência como actor acaba por dar ao filme um realismo adicional).
Necessariamente, o filme instala-se na fronteira cada vez mais esbatida dos cinemas do real, algures entre documentário e narrativa, o que acaba também por remeter (mais em termos formais) para o Urso de Ouro 2012, César Deve Morrer dos irmãos Taviani. Mas An Episode in the Life of an Iron Picker é fita mais modesta, com uma dimensão de intervenção social que a torna ideal para um festival que sempre procurou esse papel.