A ciência e a tecnologia deixaram de impulsionar o crescimento?

Os indicadores que medem a contribuição da ciência e da tecnologia para o crescimento económico tinham valores muito mais favoráveis em meados do século passado do que actualmente.

Alguns autores, como Leslie White e Gerhard Lenski, vão ao ponto de considerar que a principal força que dinamiza a evolução das sociedades, das culturas e, em última análise, das civilizações, é a tecnologia. Desde o início da Revolução Industrial, assistimos a avanços científicos e tecnológicos notáveis que modificaram profundamente o nosso modo de vida, tais como a máquina a vapor, o telefone, o motor de combustão interna, o automóvel, o avião, a radiodifusão, a televisão, o transístor, os antibióticos, os satélites, o computador pessoal, o telemóvel e a Internet.

A descoberta de novas tecnologias contribui para o crescimento intensivo da economia e tende a aumentar o rendimento e o PIB per capita. O investimento em ciência, tecnologia e inovação tem crescido à escala global, embora mais acentuadamente nos países desenvolvidos e em alguns com economias emergentes.

Estão a surgir continuamente novas tecnologias, sobretudo nos domínios da computação, informação e comunicação, robótica, inteligência artificial, biotecnologias e nanotecnologias e também nos sectores da saúde, agro-pecuária, energia, transportes e militar.

Porém, o crescimento económico abrandou na maioria dos países mais desenvolvidos, onde deu lugar à estagnação ou à recessão, e está também a abrandar nas economias emergentes. A União Europeia mergulhou numa profunda crise política, financeira e económica. Nos EUA, gerou-se uma disfuncionalidade política entre o Governo e o Congresso, a dívida está incontrolada e a economia fraqueja.

Entretanto, sabe-se que os indicadores que medem a contribuição da ciência e da tecnologia para o crescimento económico tinham valores muito mais favoráveis em meados do século passado do que actualmente. Será que a inovação e as novas tecnologias deixaram de impulsionar o crescimento económico tal como o faziam no passado? Esta é a pergunta feita com evidente preocupação num artigo recente da edição de 12 de Janeiro do Economist. A situação é complexa e a resposta não é simples.

A relação entre mais tecnologia e inovação e maior crescimento económico é verdadeira num mundo imaginado, em que o preço da energia não é volátil e não tem tendência a subir, em que os recursos naturais não se tornam escassos, em que os impactos negativos sobre o ambiente e a economia das externalidades negativas de algumas actividades humanas não existem e em que o sistema financeiro global se preocupa com as questões da equidade e da sustentabilidade.

Porém, todos estes pressupostos são falsos. Na realidade, temos um sistema económico que agrava as desigualdades sociais e que não internaliza nem os custos das externalidades ambientais negativas, nem os custos futuros da escassez crescente dos recursos naturais que utiliza. Temos um mundo apostado num paradigma de desenvolvimento que exige um consumo cada vez maior de energia per capita, mas sem perspectivas de encontrar as fontes de energia barata que irão satisfazer essa procura. Temos um mundo doente de egoísmo e ganância que gerou um sistema financeiro incapaz de alicerçar um desenvolvimento com equidade e sustentável.

Oitenta por cento da população global vive com menos de dez dólares por dia e luta tão empenhadamente quanto possível por viver como os restantes 20%. Note-se que nesses 80% há cerca de 870 milhões com problemas crónicos de subnutrição ou, por outras palavras, com fome, e cerca de 3500 milhões que vivem com menos de 2,5 dólares por dia, segundo as estatísticas do Banco Mundial e das Nações Unidas.

Perante estes desafios gigantescos, regressa a miragem do poder mágico da ciência, da tecnologia e da inovação. A ciência e a tecnologia são cada vez mais importantes na nossa civilização e é imperioso apoiá-las, mas não nos podemos iludir ao pensar que vão resolver apenas por si próprias as disfuncionalidades do nosso sistema financeiro e económico e a incapacidade de construirmos um desenvolvimento sustentável que promova a equidade.

As tecnologias, especialmente as chamadas tecnologias emergentes, estão a comportar-se bem e a evoluir a um ritmo acelerado, frequentemente exponencial. A lei de Moore, segundo a qual a capacidade de cálculo de um microprocessador duplica todos os 18 meses, é um bom exemplo. O crescente poder e aplicação dos computadores influencia os mais variados sectores socioeconómicos. A impressão 3D pode revolucionar muitas indústrias, ao descentralizar a produção.

Mas há quem vá mais longe: Raymond Kurzweil considera que esta tendência exponencial irá conduzir-nos a uma singularidade tecnológica cerca do ano de 2045, caracterizada pelo surgimento de formas de superinteligência e de máquinas super-humanas. Os defensores da singularidade dizem-nos que não é possível prever o que se irá passar depois dela.

Em 2009, foi criada no Silicon Valley a Singularity University, com o apoio da NASA e da Google, com o objectivo de “reunir, formar e inspirar um conjunto de líderes que irão procurar compreender e promover o desenvolvimento exponencial de tecnologias avançadas e aplicar, focar e guiar estes instrumentos no sentido de resolver os grandes desafios com que a humanidade é confrontada”. A Universidade da Singularidade tem um enorme sucesso e atrai milhares de alunos, mas não há sinais de que a aceleração tecnológica seja suficiente para resolver as várias crises financeiras, económicas e ambientais.
 

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