"00:30 A Hora Negra" é uma descrição realista ou uma apologia da tortura?
O novo filme de Kathryn Bigelow, que estreia dia 17 em Portugal tem sido incensado pela crítica. Mas não se livra da polémica. A escritora Naomi Wolf compara Bigelow com Leni Riefenstahl pela "apologia" que o filme faz da tortura
Um dia depois da estreia do novo filme de Kathryn Bigelow (ontem à noite, em Washington), é certo que ele se mantém como um dos nomes mais fortes na corrida aos Óscares.
É certo também que a polémica que levantou continuará. Ontem, manifestantes vestidos com fatos cor de laranja semelhantes aos usados pelos prisioneiros de Guantánamo protestaram à porta do cinema onde o filme foi estreado, erguendo placards contra a prática de tortura e classificando 00:30 A Hora Negra, que estreia dia 17 nas salas portuguesas, como obra aprovada pelo Pentágono.
No discurso que antecedeu a projecção, Kathryn Bigelow afirmou-se “sinceramente impressionada com a notável debate nacional” que o filme está a suscitar. Citada pelo Guardian, Bigelow, falando também em nome do argumentista Mark Boal, refutou ter criado um filme apologista dos métodos seguidos pelos serviços secretos ou o desejo de criar controvérsia. “Exactamente o contrário. O Mark [Boal, argumentista] e eu quisemos apresentar a história tal como a entendemos, baseados na pesquisa extraordinária feita por Mark”.
A sua intenção era “ilustrar as ambiguidades, contradições e complexidades” dos dez anos de perseguição a Bin Laden, “uma parte importante da história da nossa nação”.
Muito elogiado pela crítica, o que lhe valeu, até agora, ser premiada pelas associações de críticos de Nova Iorque, Vancouver, Los Angeles ou Boston, bem como pela Alliance Of Women Film Journalists, 00:30 A Hora Negra não gerará o consenso de Estado de Guerra, que valeu a 2010 o Óscar a Bigelow, o primeiro de melhor realizador atribuído a uma mulher.
John McCain, candidato republicano derrotado nas presidenciais americanas de 2008, acusou realizadora e argumentista de promoverem a tortura ao representá-la no ecrã e de defenderem que, sem acesso a ela, teria sido impossível capturar Bin Laden. A Democrata Dianne Feinstein, da comissão dos Serviços Secretos do Senado americano, é da mesma opinião – a comissão, de resto, investiga neste momento se Bigelow e Boal tiveram acesso a documentos secretos da CIA.
A semana passada, a polémica atingiu o seu ponto mais significativo com a carta aberta endereçada por Naomi Wolf, no diário Guardian, a Kathryn Bigelow. Nela, a escritora definia o filme como “um anúncio publicitário de duas horas, muito bem filmado”, destinado a manter fora da prisão os agentes de serviços secretos que cometeram crimes em Guantánamo. Insinuava também que o financiamento da obra seria difícil sem a aprovação dos sectores militares e que, tal como Riefenstahl legitimou e glorificou o regime nazi alemão, Bigelow subscreve as “mentiras do regime”: a de que “esta brutalidade [a tortura] é de alguma forma necessária”. No Huffington Post, G. Roger Denson contrapôs, comparando o texto de Wolf ao atear de fogo com que, na Idade Média, se executavam as suspeitas de bruxaria. Quanto à comparação com Riefenstahl, é taxativo. A comparação é “obscena e absurda”. Bigelow, escreve, “não faz mais que permitir a cada um ver e decidir sobre aquilo que os Estados Unidos fizeram durante os primeiros anos da ‘Guerra ao Terror’”.
Segunda-feira, na cerimónia de entrega dos prémios dos críticos de cinema de Nova Iorque, Mark Boal respondeu à polémica com humor. “Caso alguém queira saber, defendemos o filme. Fizemos um filme que nos permite olhar para o passado de uma forma que nos permitirá uma avaliação mais clarificada do futuro”. Depois acrescentou: “Parece que o governo francês irá iniciar uma investigação sobre Os Miseráveis.
Notícia corrigida às 10h10 de 10/01/2013: no sétimo parágrafo foi corrigido o ano em que John McCain concorreu à presidência